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O biólogo esquecido que descobriu o DNA em 1869 (e quase matou a charada da genética)

70 anos antes de Francis e Crick determinarem a estrutura do DNA, o suíço Friedrich Miescher encontrou a molécula e especulou que ela podia transmitir a mensagem hereditária “exatamente como (...) as 24 ou 30 letras do alfabeto”. 

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 10 jan 2024, 16h32 - Publicado em 10 jan 2024, 16h30

Tübingen, Alemanha. Inverno de 1868. Dez anos depois da publicação de A Origem das Espécies, o jovem suíço Friedrich Miescher cutuca bandagens com pus, extraídas de soldados com ferimentos infeccionados.

O cheiro não é dos melhores, mas quem trabalhava no laboratório do biólogo Felix Hoppe-Seyler, nessa época, tinha estômago forte no currículo: sangue, bile, urina e esperma de salmão eram outras matérias-primas científicas típicas por lá.

Miescher tentou ser médico. Terminou a graduação, mas a rotina de consultório não o agradava. Pediu orientação a Hoppe-Seyler na esperança de seguir carreira científica; conseguiu uma vaga no laboratório e foi incumbido da tarefa de investigar a composição química do núcleo das células.

Glóbulos brancos, as células-soldado do nosso sistema imunológico, têm núcleos particularmente grandes, o que as torna ótimas candidatas à tarefa. E se há um lugar bom para coletar glóbulos brancos, esse lugar é um ferimento infectado – onde elas comparecem aos montes para conter o avanço de bactérias. Daí os curativos sujos, coletados em uma clínica próxima. 

Miescher esperava encontrar proteínas nos núcleos de suas células. Talvez um ou outro lipídio, mas principalmente proteínas. É que proteínas são os burros de carga da vida, em escala microscópica. Exercem todas as funções importantes no corpo de qualquer ser vivo: das enzimas digestivas à queratina dos cabelos.

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No século 19, ninguém fazia a menor ideia de qual era a função do núcleo de uma célula. Mas, seja lá qual fosse, não havia motivo para pensar que não envolvesse proteínas. 

Surpresa: após isolar os núcleos e submetê-los a todo tipo de estrepolia química, Miescher se deparou com uma substância singular. Além de hidrogênio, oxigênio e carbono – átomos já manjados –, ela continha uma quantidade incomum de fósforo.

Não era uma proteína. De fato, não batia com a descrição de nenhuma molécula orgânica conhecida. Miescher batizou a substância de nucleína. E se pôs a pensar para que diabos ela serviria. Em 1866, Ernst Haeckel havia dado o palpite visionário de que a informação hereditária era armazenada no núcleo da célula – e Miescher tinha isso em mente. Será? 

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Hoppe-Seyler, por sua vez, notou que seu aluno havia descoberto algo especial, mas não queria soar um alarme falso: passou meses revisando os experimentos. O resultado só foi publicado em 1871, e impactou a comunidade científica na medida do possível, embora ninguém, na época, estivesse em condições de entender o que realmente aconteceu: Miescher havia descoberto o DNA. 

Os anos passaram e Miescher se entusiasmou. Percebeu que a nucleína estava presente no esperma de diversos animais: bois, galinhas, sapos. Estimou sua fórmula, ainda que erroneamente, e deduziu que ela era subdividida em quatro nucleotídeos – sim, os mesmo que hoje você conhece pelas letrinhas A, T, C e G.

Miescher também se deu conta do papel da nucleína no sexo: “se tivermos que estabelecer uma única substância como a causa específica da fertilização [do óvulo pelo espermatozoide], então a nucleína deve ser considerada acima de quaisquer outras”.

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E a cereja no bolo: em uma carta despretensiosa, enviada a seu tio em 1892, especulou que a nucleína poderia transmitir a mensagem hereditária “exatamente como os conceitos e palavras de todas as línguas conseguem se expressar com as 24 ou 30 letras do alfabeto”. 

Miescher morreu jovem, com pouco mais de 50 anos, certo de que o DNA armazenava informação, mas incapaz de entender como ele fazia isso. Seu palpite visionário só seria comprovado em 1944, mais de 70 anos depois, quando Watson e Crick descobriram a estrutura da molécula com base no trabalho de cristalografia de Rosalind Franklin.

Darwin, por sua vez, morreu decepcionado por não conseguir explicar a transmissão de informação hereditária de pai para filho. Sem isso, a teoria da evolução por seleção natural jamais poderia ser comprovada.

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É fácil entender por quê: suponha, por exemplo, que a informação hereditária estivesse contida de alguma forma em um líquido, e que esse líquido se misturasse ao líquido do parceiro sexual. É um palpite bobo hoje, mas na época, era algo plausível.

Se fosse assim, as características do pai e da mãe iriam sempre se diluir nos filhotes. Ainda que ter um pescoço grande tivesse sido bom para a sobrevivência do pai girafa, ele não conseguiria transmitir esse pescoção para o filho caso a mãe tivesse um pescoço menor, porque os traços dos dois iam se cancelar e gerar um pescoço comum.

O fato de que que cada um dos nossos genes é herdado da mãe ou do pai, mas não de ambos ao mesmo tempo (e de que um desses genes é dominante, enquanto o outro é recessivo), permite que as características hereditárias sejam mantidas intactas, e viabiliza a seleção natural. Uma descoberta que teria trazido alguma paz para Darwin.

 

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