O álcool é a droga mais pesada de todas?
Há quem diga que sim e que não. Mas ninguém discorda: o alcoolismo é um problema muito maior que as outras drogas - e seus efeitos são devastadores
Quando se pensa nos danos causados por drogas como o crack ou a cocaína, fica difícil imaginar que um copo de cerveja ou uma dose de uísque possam ser mais perigosos. Muitos especialistas, no entanto, defendem a tese de que, por uma combinação de fatores perversos, o álcool é a droga mais pesada – ou pelo menos a mais preocupante – de todas.
De acordo com a médica e psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva, autora do livro Mentes Perigosas – O Psicopata Mora ao Lado (Fontanar, 2008), as consequências do uso continuado de álcool são devastadoras: desenvolvimento de doenças autoimunes, cirrose, diabetes e depressão, para citar apenas alguns exemplos. E com um agravante: bebidas alcoólicas são drogas legais, estão à venda em cada esquina. “De todas as drogas, o álcool é a que tem o maior número de usuários e a que começa a ser consumida mais cedo, entre os 12 e os 13 anos de idade”, diz Ana Beatriz. “Em 50% dos casos, a primeira dose é consumida em casa, com a conivência dos pais.”
O poder destrutivo do álcool, segundo a médica, vem da capacidade que essa substância tem de provocar lesões em tecidos adiposos (gordura). “E o cérebro humano é todo revestido de tecido adiposo”. Ao atacar esse revestimento, diz Ana Beatriz, o álcool desencadeia um processo inflamatório no cérebro, alterando sua bioquímica e as transmissões elétricas entre as sinapses (as ligações que unem os neurônios). “No primeiro momento, ele relaxa. No segundo, provoca euforia. No terceiro momento, vem a depressão. E, se a pessoa não parar de beber, o álcool leva ao coma.”
Uma pesquisa feita pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revela que 80% dos adolescentes brasileiros já beberam alguma vez na vida e que 33% dos alunos do Ensino Médio bebem em excesso pelo menos uma vez por mês. “O consumo de álcool na adolescência pode causar danos irreversíveis à cognição e à aprendizagem”, afirma Ana Beatriz. E a situação fica ainda mais preocupante, segundo a médica, quando se leva em consideração que anúncios de bebidas alcoólicas ocupam algo entre 8% e 10% de toda a publicidade veiculada na TV – especialmente nos intervalos de transmissões esportivas e programas que têm os jovens como público alvo. “É um paradoxo”, diz o historiador Henrique Carneiro, especialista na história do consumo de drogas. “A substância que causa mais problemas à saúde pública é aceita e legalizada, enquanto os usuários de outras drogas são estigmatizados.”
Para o médico Emiliano Kanter, clínico geral em Porto Alegre (RS), determinar qual é a droga mais pesada de todas pode ser algo muito relativo. Exemplos: o LSD, segundo Kanter, é a droga que causa efeitos mais intensos com uma dose mínima – apenas 25 milionésimos de grama já são suficientes; por outro lado, o crack é a que vicia mais rapidamente; já as crises de abstinência da cocaína costumam ser as mais radicais. “Se considerarmos o impacto social do alcoolismo, no entanto, o álcool certamente entra no rol das drogas mais nocivas”.
Vícios na balança
CRACK
Droga estimulante do sistema nervoso central. Os danos ao lobo frontal do cérebro são graves, tornando muito difícil a tarefa de livrar o usuário da dependência. O vício pode surgir em apenas 3 dias. A abstinência é bem parecida com a da cocaína: irritabilidade e ansiedade extremas.
COCAÍNA
Como o crack, é uma droga estimulante do sistema nervoso central. Aumenta o ritmo cardíaco e diminui a capacidade de absorção de oxigênio, tornando o organismo mais propenso a infartos. A abstinência causa agressividade, ansiedade extrema e depressão. O vício pode surgir já na quarta dose.
MACONHA
Perturbadora do sistema nervoso central (a categoria dos alucinógenos). Embora seja vista como droga “leve”, as estatísticas demonstram que pessoas que consumiram maconha ao menos 400 vezes na adolescência têm menos empregos e menos diplomas do que aquelas que nunca a utilizaram.
ÁLCOOL
É uma droga depressora do sistema nervoso central. Age diretamente sobre os lipídios e as gorduras – presentes em todos os tecidos do corpo humano, inclusive na membrana que envolve e protege o cérebro. A abstinência pode causar pressão alta, tremores generalizados, alucinações e síndrome do pânico.
Fontes: Secretaria Nacional Antidrogas (Senad); United Nations Office for Drugs and Crime (UNODC); Sergio de Paula Ramos; Ana Beatriz Barbosa da Silva.