Menos de um terço da Antártida permanece intocada pela humanidade
Aumento do turismo e de expedições científicas levantam preocupações sobre a preservação do continente gelado.
O clima congelante da Antártida não é nada convidativo, mas isso não impede que os humanos explorem seu território: somente um terço do continente gelado permanece intocado pela humanidade, segundo um novo estudo. A análise levanta preocupações sobre a preservação e sustentabilidade da Antártida, que, apesar de não parecer, abriga uma biodiversidade única.
Cientistas australianos analisaram 2,7 milhões de registros sobre atividades humanas no continente cobrindo os últimos dois séculos. Baseado em quatros classificações usadas internacionalmente, eles descobriram que 99,6% de todo território antártico pode ser categorizados como “selvagem”. Essa categoria indica que não há exploração humana relevante dos recursos naturais nem ocupação intensiva do território que cause danos ambientais, o que faz sentido visto que, na Antártida continental, não há agricultura, indústria ou outras atividades econômicas. Os 0,4% restantes são basicamente as bases e territórios de pesquisas ocupados por cientistas, e só nessas áreas é possível afirmar que há dano ambiental minimamente relevante.
No entanto, isso não significa que essas áreas não tenham tido influência humana. Os resultados, publicados na revista Nature, revelaram que apenas 32% do continente nunca tinha sido visitado por humanos, um número muito menor do que estimativas anteriores, que acabavam não incluindo dados de expedições mais antigas e pouco documentadas, como missões soviéticas, por exemplo.
O número se traduz como um medidor do impacto humano em uma área bastante especial: em geral, a Antártida é considerada o local selvagem mais preservado da ação humana e menos poluído. No entanto, isso vem lentamente mudando com o tempo, o que é alarmante para cientistas. Missões científicas ao continente são frequentes e, em geral, positivas para se entender mais sobre sua biodiversidade única, mas há uma preocupação sobre a pegada ecológica que podem deixar.
O cenário fica um pouco mais problemático se analisarmos não somente as porcentagens de território em geral, mas também que as espécies do continente se distribuem de forma irregular e se concentram mais em algumas áreas enquanto outras são praticamente desertas.
“As áreas que têm menos impacto humano não incluem parte de biodiversidade mais importante”, explica Steven Chown, pesquisador da Universidade Monash, na Austrália, e autor do estudo. Ao mesmo tempo, “áreas de alto impacto humano” – aqueles 0,4% de instalações de pesquisa, bem como locais que atraem turistas – “frequentemente se sobrepõem a áreas importantes para a biodiversidade”, diz. Ou seja, apesar de o dano total não ser tão grande, ele se concentra em áreas especialmente biodiversas e vulneráveis.
A Antártida foi descoberta – no sentido literal da palavra – apenas em 1820, e desde então incontáveis países já se aventuraram a estudar o local. A partir de 1950 as expedições científicas se intensificaram e a presença humana ficou cada vez mais notável através de construções permanentes e assentamentos. Nos últimos anos, o continente ganhou ainda mais importância devido aos estudos sobre as mudanças climáticas e sobre o aumento do nível do mar, causado pelo derretimento das geleiras.
Além disso, outra preocupação entra na equação: turismo. Cada vez mais cruzeiros oferecem viagens ao continente gelado, e, antes da pandemia de Covid-19, esperava-se que 50 mil pessoas visitassem a Antártida só esse ano. Turistas são bem menos cuidados do que equipes de pesquisadores e podem poluir e causar danos ambientais relevantes se não houver uma fiscalização adequada.
Como a Antártida não pertence oficialmente a nenhum país (apesar de vários reivindicarem territórios no continente), sua preservação está sujeita a legislações internacionais. A mais famosa delas é o Tratado da Antártida, em que países que assinam o acordo concordam em normas para pesquisas o local de forma sustentável. Os autores do estudo, porém, alertam que as novas descobertas podem indicar que apenas esses princípios podem não estar sendo suficiente. Em um ecossistema tão intocado como a Antártida, alerta a equipe, o menor dos danos pode iniciar um efeito cascata. Pisar em um musgo, por exemplo, pode fazer com que ele leve anos para se recuperar. Introduzir uma espécie não nativa por acidente, então, seria algo catastrófico para o ecossistema.