Lagosta boxeadora enxerga câncer antes dos sintomas aparecerem
Cientistas estão criando uma máquina para imitar os olhos do bicho e melhorar os diagnósticos da doença
Se uma lagosta boxeadora falasse, ela seria capaz de bater os olhos em um ser humano e dar um diagnóstico de câncer mais preciso e precoce do que qualquer máquina médica que temos à disposição – até o momento.
O estomatópode é um bicho extremamente agressivo – destrói sua presa com tanta força que é capaz de vaporizar moléculas de água com seus golpes bruscos, 30 vezes mais rápidos que um piscar de olhos. Sua carapaça ultrarresistente já inspirou armaduras, mas a nova ideia da ciência é imitar outro incrível habilidade do animal: sua visão.
Além de fortes, os golpes da lagosta são muito precisos – e, portanto, a força precisava ser combinada com olhos incríveis. Cientistas na Austrália descobriram, há alguns anos, que a espécie tem olhos compostos. Os órgãos são formados por omatídeos, placas de visão como as dos olhos das moscas.
Cada uma dessas placas recebe a luz de um ponto diferente e o que o animal “enxerga” é uma mistura de todas essas combinações. Ao contrário dos humanos, eles não têm uma retina nem uma visão centralizada. O lado ruim é que enxergam tudo em baixa resolução. O lado bom é que detectam movimentos rápidos e a polaridade da luz. É por isso que é tão difícil matar uma mosca – e é pelo mesmo motivo que lagostas boxeadoras conseguem enxergar o câncer.
Nossos olhos não são capazes de perceber a diferença entre luz polarizada e não polarizada. Já os olhos da lagosta têm sensores extras capazes de analisar o ângulo de cada onda de luz separadamente – e, assim, distinguem entre esses tipos de luz diferentes. No mar, por exemplo, superfícies como escamas, que refletem luz polarizada, se destacam fortemente da água do fundo. Saber essa diferença é importante para a sobrevivência da lagosta boxeadora.
Além de saber “ler” a polarização da luz, o animal também emite pulsos de luz polarizada. Aí entra a detecção de câncer. Células tumorais malignas refletem a luz polarizada de um jeito muito bagunçado e fácil de diferenciar de outros tecidos saudáveis. A diferença, imperceptível para os seres humanos, seria fácil de perceber para uma lagosta boxeadora que emitisse um pulso de luz polarizada no tecido suspeito.
O que os cientistas não sabiam é que, bem antes do tumor começar a ser perceptível e causar sintomas, as células cancerígenas já começam a reagir estranhamente à luz polarizada.
Assim, vários grupos de pesquisa ao redor do mundo estão tentando imitar os olhos compostos de artrópodes para detectar o câncer mais cedo que nunca.
Não é só uma questão de timing: a ideia é que cirurgias de remoção de tumores também fiquem mais precisas. Se a luz polarizada revela exatamente que parte do tecido foi afetada pelo câncer, os médicos conseguem garantir que nenhum pedaço ficou para trás – e também não precisam retirar tecido saudável desnecessariamente.
Uma das primeiras tentativas de replicar esse mecanismo está acontecendo na Universidade Washington em Saint Louis, nos EUA. O protótipo já está em fase de testes clínicos, com a câmera sendo utilizada para a detecção de câncer de mama por meio de exames de imagem.