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Idosos com Alzheimer ficam mais agressivos à noite

E só agora cientistas de Harvard começaram a entender o fenômeno, que ganhou o apelido de "sundowning"

Por Ana Carolina Leonardi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 1 ago 2022, 18h04 - Publicado em 27 abr 2018, 18h14

Se você convive com idosos com Alzheimer, ou certos tipos de demência senil, já deve ter reparado que, de uma hora para outra, eles podem ficar ariscos e até agressivos.

É claro que não é de propósito, nem uma questão de personalidade. É um sintoma – que, em muitos casos, tem horário definido.

A agitação com hora marcada sempre foi um mistério

Quem trabalha com esses pacientes nota que a onda de agitação aparece de repente, e é mais comum quando anoitece. Não é coincidência: o fenômeno é bem conhecido pelos médicos, e ganhou o apelido de sundowning (em português, é algo como “conforme o sol se põe”).

Até recentemente, ninguém sabia porque a chegada da noite era associada com um aumento na agressividade. Mas neurocientistas de Harvard começaram a entender essa relação, graças a um estudo com ratos.

Seu relógio biológico escolhe a hora de brigar

Sabemos que muita coisa no nosso organismo é controlada pelo ritmo circadiano, que define a hora que você sente fome, sono e até sua temperatura corporal. Mas, até agora, ninguém sabia que ele tinha qualquer coisa a ver com comportamentos agressivos.

A descoberta rolou quando os cientistas colocaram ratos machos para disputar território – situação que os deixa naturalmente furiosos. A situação se repetiu em vários horários diferentes – e logo ficou claro que existia um padrão na reação dos animais.

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Durante o dia, porrada crescente. À noite, calmaria

A quantidade de ataques – e a intensidade deles – ia crescendo ao longo do dia. Chegava ao pico logo antes de anoitecer. Mas conforme as luzes se apagavam, os conflitos iam diminuindo e atingiam ao nível mínimo ao amanhecer, antes das luzes se acenderem. Ou seja: a chegada da noite parecia funcionar como um freio para a agressividade dos ratos – exatamente o contrário do que acontecia nos pacientes com Alzheimer.

É possível manipular o circuito do relógio biológico para reduzir (ou aumentar) a agressividade

Depois de encontrar esse padrão, os pesquisadores foram investigar o que estava acontecendo no cérebro desses ratos.

Eles começaram observando o “relógio-mestre” do cérebro, o grande maestro do ritmo circadiano. Esse chefão é, na verdade, um grupo de 20 mil de neurônios, chamado de núcleo supraquiasmático (NSQ, para os íntimos), localizado no hipotálamo.

Também no hipotálamo fica outra região com nome estranho – o VMHvl, ou “divisão ventrolateral do núcleo ventromedial”. Dá para considerá-la parte do “circuito cerebral da raiva” porque, quando os neurônios dali são estimulados, os ratos imediatamente se colocam em posição de ataque.

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O que os pesquisadores descobriram, ao mapear o cérebro dos bichos, foi que o chefe do relógio biológico, o NSQ, tem um canal (na verdade, dois canais) de comunicação direta com esses neurônios raivosos. Essas conexões entre o NSQ e o VMHvl nunca tinham sido observadas antes.

Os cientistas resolveram, então, fazer um teste. Bloquearam essas conexões e impediram que os dois centros trocassem mensagens. Na prática, eles isolaram o relógio biológico do setor da agressividade. Resultado? O comportamento dos ratos parou de variar conforme a hora do dia. Mas eles ficaram mais raivosos o dia inteiro.

Depois, os pesquisadores fizeram o contrário. Estimularam essas conexões acima do normal. Como consequência, os ratos ficaram muito mais tranquilos. Não tiveram picos de agressividade hora nenhuma no dia.

É cedo para traduzir o que isso significa para seres humanos. Mas a hipótese dos cientistas é que, em casos de doenças degenerativas, como o Alzheimer, as “pontes” neurais entre esses dois grupos específicos de neurônios enfraquecem. E, por isso, a agressividade aumenta justo na hora em que, idealmente, ela deveria diminuir. Daí a confusão, a agitação e a raiva noturna dos pacientes.

Se isso se confirmar, surgem novas possibilidades de terapia – um tratamento, quem sabe, que consiga fortalecer as conexões entre essas duas subregiões – e trazer, assim, alívio duplo: para os pacientes com demência, mas também para quem cuida deles.

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