Google cria IA que pretende conversar com golfinhos
Com ajuda da inteligência artificial, cientistas dão os primeiros passos para construir um vocabulário compartilhado entre humanos e golfinhos.

Golfinhos são animais comunicativos. A quantidade de “cliques” — sons emitidos por esses animais para se comunicarem — pode chegar a mil por segundo, cada um com duração entre 40 e 70 milissegundos.
A “conversa” desses mamíferos intriga biólogos marinhos há anos e, agora, essa fofoca aquática pode estar prestes a ser desvendada — ou, pelo menos, os humanos poderão entrar no disse-me-disse. Um novo modelo de inteligência artificial poderá, em breve, permitir que pessoas conversem com golfinhos.
Há mais de 40 anos, pesquisadores do Wild Dolphin Project (WDP) dedicam seus esforços para decifrar os padrões de convivência desses cetáceos. Durante esse tempo, foram gravados milhares de áudios e vídeos de um grupo de golfinhos-pintados-do-Atlântico, nas Bahamas. Analisando essas gravações, cientistas perceberam e associaram sons específicos a comportamentos como cortejos, disputas e até o uso de “nomes” únicos entre os indivíduos.
Com o avanço dos grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês), como o ChatGPT, pesquisadores começaram a questionar se os mesmos princípios que ajudam a entender a linguagem humana poderiam ser aplicados à comunicação dos golfinhos.
Para testar essa hipótese, o WDP firmou uma parceria com o Google e o Instituto de Tecnologia da Geórgia. O time de engenheiros recebeu um gigantesco banco de dados, cuidadosamente rotulado, com assobios, cliques e estalos emitidos pelos golfinhos ao longo das décadas. Com esse material, será possível treinar modelos de IA capazes de identificar padrões de linguagem entre os cetáceos — e, quem sabe, abrir uma nova era de diálogo entre espécies.
O modelo foi chamado de DolphinGemma, que funciona com a mesma tecnologia do Gemini, IA do Google, com cerca de 400 milhões de parâmetros. Nos próximos meses, pesquisadores iniciarão os testes do sistema. A ferramenta será utilizada em conjunto com o Cetacean Hearing Augmentation Telemetry (CHAT), sistema que pode traduzir e imitar algumas das vocalizações complexas do próprio mamífero.
O funcionamento é dividido em etapas: o DolphinGemma recebe e interpreta os sons emitidos pelos golfinhos, prevê quais seriam os sons seguintes com base nos padrões detectados e, então, os reproduz. Já o CHAT não tem como objetivo traduzir completamente a linguagem natural desses mamíferos, mas facilitar a criação de um vocabulário compartilhado e simplificado entre humanos e golfinhos.
A proposta é ensinar aos golfinhos-pintados-do-Atlântico do projeto WDP uma série de assobios sintéticos associados a objetos que eles gostam — como algas marinhas, sargaços e até lenços dos próprios pesquisadores. A expectativa é que, com o tempo, os animais aprendam não só a reconhecer os sons, mas também a usá-los para pedir os itens.
“Com o tempo, à medida que mais sons naturais dos golfinhos forem sendo compreendidos, eles também poderão ser adicionados ao sistema”, escrevem Denise Herzing, diretora de pesquisa e fundadora do, Wild Dolphin Project e Thad Starner pesquisador do Google DeepMind e Professor da Georgia Tech, em comunicado.
Além disso, a empresa espera que a ferramenta possa ser usada por pesquisadores ao redor do mundo para explorar seus próprios conjuntos de dados acústicos. “Embora treinados nos sons dos golfinhos-pintados do Atlântico, prevemos sua utilidade potencial para pesquisadores que estudam outras espécies de cetáceos, como golfinhos-nariz-de-garrafa ou golfinhos-rotadores”, dizem Herzing e Starner.
Embora os primeiros resultados sejam promissores, ainda há um longo caminho pela frente até que possamos, de fato, superar a barreira da linguagem entre espécies. “Estamos apenas começando a decifrar os padrões presentes nos sons emitidos pelos golfinhos, um avanço que pode, no futuro, reduzir a distância entre a comunicação humana e a desses cetáceos”, concluem os responsáveis do projeto.