Fóssil “perfeito” de pterossauro brasileiro revela novas informações sobre a espécie
O Tupandactylus navigans seria contrabandeado em 2013, mas foi resgatado por uma operação da Polícia Federal. Pesquisadores estudam o fóssil desde 2016 – e descobriram características inéditas do animal.
Um dos fósseis de pterossauro mais completos já encontrado é brasileiro. Desde 2016, pesquisadores do Brasil e Portugal estudam um espécime de Tupandactylus navigans, que viveu há 110 milhões de anos. Agora, o estudo que descreve e analisa o fóssil foi publicado no periódico PLOS One. O pterossauro ainda vem com uma história curiosa: ele quase foi contrabandeado para fora do país.
Tudo começou com uma operação policial em 2013, que pretendia enfrentar uma quadrilha internacional especializada em contrabando de fósseis e pedras semipreciosas. Os policiais impediram, no Porto de Santos (SP), a exportação ilegal de três mil peças, que provavelmente seriam vendidas para museus ou coleções particulares do exterior. Entre as peças, estavam rochas calcárias extraídas da Bacia do Araripe, na região Nordeste do Brasil. Elas possuíam restos mortais e impressões bem conservadas de seres vivos que habitaram o planeta há milhões de anos. Os itens foram entregues à Universidade de São Paulo (USP), que iniciou a pesquisa com o fóssil três anos depois.
A espécie Tupandactylus navigans foi descrita em 2003, por pesquisadores europeus, a partir de dois crânios. No entanto, essa é a primeira vez que é possível estudar um fóssil tão “excepcionalmente bem preservado”, diz Victor Beccari, autor principal do estudo.
O fóssil pertence a um indivíduo adulto de quase um metro de altura, que possui bico e garras. Até os tecidos moles, como órgãos internos, estão em bom estado. Ao contrário de ossos e garras, eles não costumam ser preservados no processo de fossilização, por serem delicados. Nesse fóssil de pterossauro, os tecidos moles preservados foram as cristas do animal – uma na mandíbula e outra na cabeça.
Descobertas inéditas
Como os estudos anteriores partiram de crânios da espécie, os pesquisadores se depararam com um corpo inédito para analisar. Primeiro, os pesquisadores visualizaram e analisaram o fóssil, descrevendo osso por osso e comparando o material com outros estudos já publicados para entender a anatomia do pterossauro.
Em seguida, eles fizeram uma tomografia do fóssil e trabalharam com as imagens de raio-x para obter um modelo 3D do animal e observar estruturas que estavam dentro da rocha. Então, eles continuaram a descrição anatômica para entender melhor como as proporções dos ossos se correlacionam com o hábito de vida do bicho, disse Beccari à Super.
Acreditava-se que o pescoço do pterossauro seria curto e com tendões ossificados entre as vértebras, para resistir ao vento no voo. Mas nada disso foi encontrado no fóssil. O pescoço longo e a crista de mais de 40 centímetros atrapalhariam voos de longas distâncias. Além disso, as pernas do animal são mais compridas do que o esperado, e as asas mais curtas.
“Com isso, a gente acredita que esse animal passava grande parte do tempo no chão, procurando alimento, e voava apenas para fugir de predadores ou para distâncias curtas. E ele usaria a crista para atrair companheiros para acasalar”, afirma Beccari. Segundo o pesquisador, um bom análogo atual é o pavão – cuja cauda, tão grande quanto a crista do pterossauro, dificulta o voo e é usada para atrair companheiros.
O que falta descobrir
O trabalho também abriu espaço para novas perguntas. “Há um grande debate sobre se esse animal e outra espécie brasileira (Tupandactylus imperator) seriam, na verdade, a mesma espécie. Isso acontece porque, até antes do nosso estudo, só eram conhecidos crânios de ambos os animais”, afirma Beccari.
Segundo o pesquisador, a única diferença visível está relacionada com a crista, que pode variar bastante entre um macho e uma fêmea. “Precisamos olhar o resto do esqueleto desses animais e comparar, para ter certeza que são duas espécies diferentes ou não. Mas, para isso, ainda precisamos de um esqueleto completo de Tupandactylus imperator”, explica.
Outra questão está relacionada à alimentação do pterossauro. Os pesquisadores acreditam que ele comia frutos, pinhões, sementes e outros tipos de material vegetal duro – mas isso ainda não está bem estabelecido.
Por último, existe a incógnita do voo: embora as descobertas feitas agora indiquem que o pterossauro não fazia voos de longas distâncias, ainda não dá para bater o martelo.
“Queremos testar [a partir de estudos biomecânicos] como o voo desse animal era impactado pela crista, para ter certeza de que ela seria uma desvantagem aerodinâmica. Apesar das evidências anatômicas sugerirem que sim, podemos estar errados e só vamos saber com novos dados matemáticos”, explica Beccari.
Os pesquisadores ainda pretendem estudar a coloração da crista em detalhe, procurando moléculas, como melanina, que podem estar preservadas no fóssil.