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E se uma grande tempestade solar atingisse a Terra?

Em 2012, uma forte tempestade solar passou de raspão na Terra. Se ela tivesse acertado, possivelmente estaríamos nos recuperando até hoje.

Por Fábio Marton
Atualizado em 21 Maio 2021, 12h17 - Publicado em 20 Maio 2021, 19h27

Entre 1 e 2 de setembro de 1859, a noite virou dia em algumas partes do mundo. Mineiros nos EUA acordaram de madrugada, achando que havia amanhecido, e começaram a preparar o café, até olharem nos relógios. Não era o sol, mas auroras boreais, que foram avistadas em latitudes baixas, como o Caribe e o sul do Brasil. Os mais religiosos acreditaram que era o apocalipse. Outros ficaram maravilhados com o que assistiram: um jornal de Baltimore, nos EUA, escreveu sobre “uma luz maior que a da lua cheia, mas com suavidade e delicadeza indescritíveis, que pareciam envolver tudo o que tocavam”. 

Menos encantados ficaram os telegrafistas. A coisa causou um pico de corrente elétrica que deu choques em seus operadores, formou arcos voltaicos nos fios e destruiu, com incêndio, um monte de equipamentos. Outros telegrafistas aprenderam a simplesmente desligar o aparelho do suprimento de energia (então na forma de baterias) e trabalhar só com a energia induzida nos fios pelo fenômeno. 

O que aconteceu? Dois astrônomos amadores britânicos, Richard Carrington e Richard Hodgson, haviam observado uma maciça explosão na superfície do Sol, emitindo matéria, no dia 1º de setembro. Em novembro, suas observações desse evento, até então desconhecido, foram apresentadas à Sociedade Astronômica Real. Quando veio o clarão de dezembro, então, outros astrônomos ligaram os pontos. 

O Evento de Carrington, como ficou conhecido, foi uma tempestade solar – de fato, a mais forte de que temos notícia. Essas erupções, que lançam partículas e campos eletromagnéticos fortíssimos espaço afora, acontecem o tempo todo, mas raramente atingem a Terra – em 2012, uma erupção com a mesma intensidade de 1859 passou de raspão pelo planeta. 

O que aconteceria se essa de 2012 tivesse nos atingido? Possivelmente, estaríamos nos recuperando ainda hoje.

Durante a tempestade, que dura algumas horas, parte importante das comunicações seria suspensa. Os sinais de rádio usados por satélites e aviões teriam interferência maciça e parariam de funcionar. Um avião sem rádio é um avião cego – é inconcebível voar sem rádio hoje. A catástrofe que se deu nos telégrafos em 1859 aconteceria no tráfego aéreo. Em tempos sem pandemia, cerca de 10 mil aviões estão no ar ao mesmo tempo a cada momento, levando 1,2 milhão de pessoas. Numa realidade em que muitos deles não conseguiriam pousar, teríamos uma tragédia.

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No espaço, muitos satélites seriam destruídos pelo efeito direto das emissões. Outros poderiam ser derrubados de sua órbita pelo aquecimento da camada superior da atmosfera. Isso faz com que o ar se expanda, aumentando a sua densidade (que é pouca, mas existe) na baixa órbita terrestre e causando atrito, que faz os satélites desacelerarem e caírem. Os astronautas na Estação Espacial Internacional, se escapassem desses dois, poderiam até morrer por conta da radiação cósmica extra. 

Mas o efeito mais desastroso seria no solo. Uma tempestade eletromagnética causaria correntes elétricas em materiais condutivos, por indução (foi o que aconteceu com os telégrafos em 1859). Qualquer coisa ligada na rede elétrica poderia ser destruída. Danos em transformadores e geradores causariam blecautes de longo prazo, até o estrago ser reparado. 

O mundo moderno não pode ficar sem eletricidade. Quem viu o que aconteceu no Amapá ano passado, quando o incêndio em um só transformador causou blecautes parciais e totais por 22 dias, faz só uma ideia bem modesta do que estamos falando. Seriam blecautes totais, talvez por meses. Pessoas morreriam nos hospitais. A água pararia de chegar, porque depende de bombas elétricas. Com isso e sem comunicação, incêndios causados pela própria tempestade solar poderiam ficar sem solução.

A consultoria Lloyd’s calculou o impacto que uma tempestade solar teria nos EUA. A destruição chegaria a US$ 3 trilhões. Isso é mais que seis vezes o pior desastre natural já registrado, o tsunami de 2011, e três vezes Chernobyl – considerando apenas o que aconteceria nos Estados Unidos.

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Um pequeno apocalipse, de fato. Mas nada capaz de nos levar a uma nova Idade das Trevas. Porque nem tudo seria atingido, e não por igual.

Primeiro, haveria algum tempo de aviso.  Uma tempestade solar não é o Sol brilhando mais, o que chegaria à velocidade da luz – quando a gente visse, já estaria aqui. É uma explosão de gás hiperaquecido – plasma, que tem potencial destrutivo eletromagnético –  que viaja pelo espaço. Pode levar horas para chegar. A  emissão do Evento de Carrington levou 17,6 horas. 

Agências como a Nasa têm sistemas de observação e de aviso prévio de tempestades solares, estabelecidos porque o risco é bem conhecido. Eles incluem satélites no espaço profundo, mais distantes daqui do que a Lua, orbitando o Sol. Eles podem medir com exatidão a intensidade da erupção antes de seus efeitos chegarem à Terra.

As operadoras de rede elétrica e de aeroportos poderiam agir a tempo – interrompendo transmissões e pousando aeronaves de forma emergencial. 

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E há as gaiolas de Faraday. Elas desviam a energia eletromagnética e protegem aquilo que está em seu interior. A maioria dos grandes servidores fica envolvida em caixas de metal, e elas servem como boas gaiolas. Sendo assim, essas máquinas poderiam sobreviver, desde que desligadas da tomada. E os dados da nuvem permaneceriam na nuvem; você não perderia seu Gmail.

Por fim, o  desastre não teria o mesmo impacto no mundo todo. A emissão não atinge o solo, mas interage com o campo magnético da Terra, que desvia a radiação solar. Esse campo funciona como um escudo, que protege o planeta do vento solar (as partículas eletricamente carregadas que o Sol libera o tempo todo). Esse escudo é mais fraco perto dos polos. Por isso rolam auroras boreais lá o tempo todo – elas são as partículas carregadas que o Sol emite interagindo com a atmosfera (nesses casos, sem a intensidade necessária para causar estragos). 

No advento de uma tempestade (que é nada mais do que vento solar em quantidades absurdas), a disrupção eletromagnética partiria dos polos para latitudes mais próximas dos trópicos. Foi isso que causou as auroras no Caribe e no sul do Brasil em 1859. Caso a tempestade de 162 anos atrás se repetisse, então, a maior parte do Brasil não perceberia de forma direta.  

Basicamente, a internet pararia de funcionar por algumas horas, já que os servidores do Hemisfério Norte teriam de ficar desligados até que a tormenta eletromagnética seguisse seu caminho espaço afora. 

De resto, talvez tivéssemos auroras boreais no Sudeste, caso a tempestade fosse um pouco mais pesada. Mas já seria um belo susto. E mais uma prova de que há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã intuição.

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