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E se trabalhássemos para sempre em regime de home office?

Bom trabalho, e tira essa toalha molhada da escrivaninha! 

Por Fábio Marton e Bruno Carbinatto
Atualizado em 27 mar 2020, 14h55 - Publicado em 20 mar 2020, 16h19
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Highline, o elevado convertido em parque, em NY. Com mais home office, e menos trânsito, projetos assim pipocariam por mais cidades. (Getty Images) (ferrantraite/Superinteressante)

Depois da pandemia, ninguém mais voltou ao trabalho. Nas grandes avenidas, os escritórios permaneceram fechados. Empoeirados, computadores, cadeiras, mesas, grampeadores e máquinas de fotocópia encheram caçambas. Depois, o longo silêncio: arranha-céus comerciais esperam o dia de renascer, só que na forma de lares. Às 15h de uma segunda-feira, passeando com o cachorro pelo parque e vendo os prédios no horizonte, você não consegue deixar de escapar da nostalgia:

“Pô. Mas o pessoal do escritório era tão legal…”

Um estudo do Ministério do Trabalho dos EUA calculou que 28,8% das pessoas realizam atividades que podem ser feitas em casa. Lá atrás, imaginava-se que seria muito mais. Nos anos 1990, com a chegada da internet, os gurus da tecnologia profetizaram que o home office se tornaria o padrão de trabalho universal. Estavam errados, como geralmente estão mesmo. Pelos últimos dados, de 2019, dos 92,5 milhões de brasileiros que trabalham, 4,5 milhões (4,8%) o fazem de casa. Nos EUA, é praticamente igual: 5,2%.

Mas agora mudou tudo. Até o fechamento desta edição, não havia dados sobre o aumento do home office com as quarentenas do coronavírus. Só que, sabemos todos, ele aumentou brutalmente. Então vale o exercício de fantasia: e se todo mundo se apegar ao trabalho caseiro, e ninguém, desses quase 30% que podem fazer isso, jamais retorne aos escritórios? Daria certo? A resposta é: depende. A Ctrip, uma agência de viagens da China, fez um experimento em 2013: colocou uma parte de seus 16 mil funcionários trabalhando de casa. E concluiu que a produtividade deles aumentou em 13%. Satisfeita com o resultado, liberaram home office para todos.    

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Mas também pode ser o contrário. Paradoxalmente, os empregados em casa tendem a se comunicar menos até digitalmente: um estudo do cientista social Ben Waber, cofundador da consultoria de RH Humanyze, mostrou que, num grupo de engenheiros, aqueles trabalhando no escritório mandavam quatro vezes mais emails de trabalho que o pessoal do home office. Nesse caso, concluíram que a produtividade de quem estava na labuta tradicional era um terço maior.   

Por essas, a então CEO da Yahoo, Marissa Mayer, proibiu o home office. De acordo com ela, atrapalhava o entrosamento da equipe. Ajudar, não ajuda mesmo. A comunicação humana tem nuances que são perdidas sem o contato próximo. Por conta disso, o home office leva a mais mal-entendidos e, daí, a erros.

A parte da solidão, em si, também é um problema. Não evoluímos para passar o dia sozinhos. E isso levaria a outra paradoxo. Com boa parte da força de trabalho operando do lar, os happy hours ficariam mais comuns. Mais do que uma válvula de escape sazonal, eles se tornariam essenciais para que os nossos cérebros, famintos por interação social, mantivessem a sanidade.

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A pessoa precisa ter certeza, afinal, de que os colegas de trabalho são seres humanos reais. Seja como for, boa parte de quem faz home office provavelmente encontra formas de diminuir a solidão. Uma pesquisa feita pela empresa TinyPulse, nos EUA, constatou que trabalhadores remotos se consideram 9% mais satisfeitos do que os trabalhadores presenciais.

A falta de horário fixo, porém, tende a pesar. Só os mais disciplinados conseguem emular direitinho o horário de expediente, como se estivessem batendo ponto. Quando você labuta de casa, toda hora vira potencialmente hora de trabalho. Isso cobra seu preço: em uma pesquisa realizada em 15 países, 42% das pessoas que faziam home office relataram insônia, contra 29% de quem trabalhava em escritório.

Se o trabalho em si é um misto de benesses e pioras, a cidade ganharia outra cara. O trânsito, obviamente, seria imensamente beneficiado, mas outras partes podiam sofrer. Prédios obsoletos não costumam ser boas notícias para a vizinhança. Eles se tornam ponto de invasões e insalubridade, fazendo cair o valor da região inteira, o que alimenta o ciclo de decadência urbana que leva a mais prédios vazios. O Centro Velho de São Paulo é um exemplo de região de escritórios que perdeu a relevância. Pujantes edifícios dos anos 1960 aparecem abandonados, subocupados, ou em péssimo estado de manutenção.

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Isso pode ser combatido transformando escritórios obsoletos em residenciais. E está sendo feito justamente no centro de São Paulo. Em 2016, um prédio de escritórios que deu lugar a 126 unidades de apartamentos ganhou um prêmio arquitetônico. Mas o centro da maior cidade do País ainda tem 70 prédios abandonados e centenas de subutilizados. Se os prédios de escritórios virassem todos residenciais, certamente seria uma benesse para quem paga aluguel, já que os preços de todos os imóveis cairia, com o aumento de oferta. Mas há um limite imposto pelos altos investimentos na conversão dos prédios e na própria demanda: haveria espaço para uma Faria Lima inteira de apartamentos de luxo?

Outro fator de estresse: a própria economia que funciona em torno de trabalhar longe. Seria o fim do restaurante por quilo. No lugar deles, entrariam as dark kitchens, restaurantes sem balcão que operam exclusivamente por aplicativos.

O transporte coletivo também passaria por uma transformação. Com menos gente usando ônibus, faria sentido substituir parte deles por sistemas de transporte sob demanda. É como a versão “Juntos” do Uber, em que até três passageiros aleatórios compartilham corridas com trajetos semelhantes.

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A diferença é que seria um serviço com vans. Já existem serviços assim em operação em Berlim, Milão e em 200 cidades do Japão. É melhor que os ônibus de hoje? Não. Tende a sair mais caro. Mas, numa realidade com menos passageiros, talvez essa se torne a única opção para certos trajetos hoje atendidos pelo ônibus.

Agora a melhor parte: com muito menos trânsito e áreas comerciais transformadas em residenciais, algumas avenidas perderiam a função, podendo ser convertidas em parques. Várias cidades já fizeram isso. Madrid, Portland e Seul tinham seus equivalentes às marginais dos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, vias arteriais correndo ao lado de seus rios principais. Todas foram destruídas e transformadas em parques extensos.

Só isso já daria um belo upgrade no meio ambiente urbano. Mas tem outra. Nos horários de pico do trânsito, o ar fica quatro vezes mais carregado de poluentes, como monóxido de carbono, sulfatos e metais pesados, que no melhor período, logo antes do nascer do sol.

No mundo, o transporte responde por 15% das emissões de gases-estufa, e, em países com muitos automóveis per capita, como os EUA, chega a 29%. Disso, metade acaba na atmosfera só para realizar o traslado de pessoas até o trabalho. Uma tarefa que, apesar dos pesares, pode se tornar um pouco menos comum depois disso que estamos vivendo agora: o maior experimento de home office da história da humanidade. 

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