Deu branco no coral
Os corais estão ficando descorados. Habitantes das águas quentes dos trópicos, eles são as vítimas mais visíveis do Efeito Estufa. A ONU vem estudando o fenômeno e agora o Brasil mergulha nessa pesquisa.
Vanessa de Sá
Imagine um termômetro capaz de indicar, mudando sutilmente de coloração, pequenas alterações na temperatura do mar. Agora imagine que não exista um, mas milhões desses termômetros. São os corais. Eles proliferam na região tropical, onde se formam ecossistemas extremamente complexos. Mas, de repente, um alerta: eles estão ficando brancos. O seu embranquecimento progressivo, constatado pela primeira vez em 1987, indica que o aquecimento provocado pelo Efeito Estufa está causando sérios danos ao mar.
Em 1993, o Comitê Oceanográfico Internacional da ONU iniciou um projeto ambicioso: usar os corais como termômetros vivos da saúde marítima em dezessete países. Pesquisadores de várias partes do mundo verificaram que eles trazem não só sua idade registrada no esqueleto, mas também as marcas das agressões ambientais sofridas.
O Brasil acaba de se integrar ao Monitoramento Global de Corais, na qualidade de único país do Atlântico Sul que os possui em sua costa. Membros de onze instituições brasileiras criaram a Sociedade Científica Corallus, no Rio de Janeiro. Agora, ela vai ficar com os olhos bem atentos às belas cores submarinas mas, sobretudo, à falta delas. Biólogos da Corallus vão mergulhar duas vezes por ano em seis pontos da costa brasileira para ver como vai a vida lá embaixo.
Os corais são pequenos bichos pertencentes ao grupo dos cnidários. Eles medem de alguns milímetros até no máximo dez centímetros. E, apesar de minúsculos, são responsáveis pela formação dos recifes, colônias que alcançam dimensões surpreendentes. Somadas, elas cobrem uma área de 190 milhões de quilômetros quadrados do solo marinho, mais de seis vezes superior à África. Um vasto continente submerso ameaçado de extinção.
Durante muito tempo, os cientistas tiveram dúvidas em classificar os corais como animais. Alguns acreditavam que eram minerais; outros, vegetais. No século XVIII, finalmente, foram identificados como pertencentes ao reino animal pelo cirurgião francês Jean-André Peysonnel. Atrás da aparência, à primeira vista rochosa, vivem algumas centenas ou milhares de corais.
Como crescem concentricamente, eles têm marcas circulares que, segundo alguns cientistas, seriam uma forma de identificar sua idade. “Um coral com dez centímetros de diâmetro, por exemplo, teria cerca de dez anos”, exemplifica Clóvis Barreira, acrescentando que se trata de uma aproximação. As datações mais antigas encontradas no Brasil, exatamente em Abrolhos, pela pesquisadora Zelinda Leão, da Universidade Federal da Bahia, são de 6 600 anos. No Caribe, existem colônias vivas que começaram a se formar há 15000 anos. Entre os fósseis, os corais alcançam marcas espantosas: até 60 milhões de anos.
Há quem diga que os recifes de coral sejam “a floresta amazônica dos mares”. Não é para menos. A complexidade desse ecossistema se reflete no número de espécies que, direta ou indiretamente, dependem dele para sobreviver. A sua cadeia alimentar inclui desde o peixe-palhaço, por exemplo, que é um predador, até esponjas, ouriços e pepinos-do-mar, que se utilizam dos corais como substrato de fixação. Por isso, qualquer alteração, seja ou não provocada pelo homem, pode quebrar a cadeia ambiental. Hoje se sabe que, quanto mais complexo um ecossistema, mais delicado é o seu equilíbrio. É por isso que o alerta branco dos corais merece a pesquisa gigantesca da ONU e do Brasil.
O branqueamento é resultado da quebra da estreita relação entre corais e algas microscópicas (zooxantelas) que vivem “aprisionadas” em células da sua epiderme. As zooxantelas são responsáveis pela variedade de cores exibida pelos corais. Quando a alga vai embora, ele embranquece. E a debandada delas está crescendo. “O que se pensava ser um fenômeno isolado é hoje visto em escala global”, afirma o biólogo Clóvis Barreira e Castro, do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
Em 1987, o branco foi observado em um único local da Terra: Porto Rico, no Caribe. No ano passado, o branqueamento foi relatado também no Brasil, em três regiões: Abrolhos, nordeste da Bahia e São Sebastião, no litoral do estado de São Paulo. Essas áreas farão parte do monitoramento da costa brasileira patrocinado pela ONU, junto com outras três.
No Brasil, os recifes ocorrem principalmente entre o Maranhão e São Paulo. O rio São Francisco interrompe essa barreira submarina. Ao levar grande quantidade de sedimentos para o mar, diminui a transparência da água. Com o “escurecimento” do mar, o coral, que precisa de águas luminosas, morre. O rio Amazonas, pelo mesmo motivo, também impede a formação de recifes em sua foz.
O Brasil apresenta dezoito espécies. Dessas, oito só ocorrem no país. Se compararmos com a Grande Barreira de Corais da Austrália, com mais de 400 espécies, é um número reduzido. Mas o fato de a costa brasileira ser a única que tem corais no Atlântico Sul torna a pesquisa feita aqui imprescindível para se chegar a um panorama global.
Ao longo da faixa intertropical existe um gigantesco tapete de corais. Raramente eles prosperam abaixo de 25 metros, embora existam registros de espécies sobrevivendo a 46 metros de profundidade.
A área mais rica em recifes é o Sudeste Asiático e Oceania, com quase duas vezes o número de gêneros do Caribe, outro local de grande concentração. Em número de espécies, ocorre um grande contraste. Enquanto os Oceanos Pacífico e Índico possuem cerca de 700 espécies, o Atlântico só apresenta 35.
Segundo o biólogo Paulo Young, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, há uma explicação para esta diferença: “O Pacífico tem um maior número de barreiras geográficas, o que permitiu que houvesse maior especiação, isto é, que mais espécies se formassem”.
No Pacífico e no Índico existem mais de 300 atóis, grandes formações de corais formadas sobre a cratera de vulcões submersos. Normalmente são circulares ou ovais, e têm uma lagoa central. Outra formação característica dos dois oceanos são os recifes em forma de barreira entre a costa e o mar, dando origem a um canal. A Grande Barreira de Coral, na costa da Austrália, é um exemplo dessa formação, que atinge milhares de quilômetros.
As obras desses pequenos enge-nheiros impressionam o homem há séculos. Mas não se sabia que dispunham de um alarme tão perfeito para os riscos do aquecimento global. Mais um serviço que ficamos devendo aos corais.
Para saber mais:
Terra quente
(SUPER número 4, ano 2)
Como vai ser o monitoramento
Mapeamento: Os pesquisadores escolhem uma colônia que seja significativa (com presença de várias espécies de corais rígidos) e delimitam uma área, fixando pinos e ligando-os com uma corda. Esta área, chamada transect, será investigada rigorosamente, determinado-se o número de espécies, sua distribuição e as diversas relações existentes entre elas.
Observação: Duas vezes por ano, os pesquisadores mergulharão para monitorarem a área previamente definida. O branqueamento será acompanhado por meio de fotografias ou observação direta.
Temperatura: Periodicamente, a área definida para pesquisa terá sua temperatura controlada, para que se estabeleçam relações entre essas variações térmicas e o branqueamento ou alteração do número de espécies.
A existência de recifes no Arquipélago de Abrolhos, situado a 80 quilômetros da costa sul da Bahia, já havia sido detectada, de maneira trágica, pelos navegadores portugueses da colônia. O nome vem de “Abra os olhos!”, um alerta para os bancos de coral que provocaram diversos naufrágios. Em 1832, aportou por lá um naturalista inglês que revolucionaria as ciências naturais: Charles Darwin. Mas foi o canadense Charles Frederick Hartt o primeiro a dedicar um capítulo inteiro aos corais do arquipélago, 40 anos depois da visita de Darwin. Além de dar seu nome a uma espécie local, Hartt revelou a existência dos chapeirões, apelido dado pela população local aos recifes com forma de chapéus, únicos no mundo. Os chapeirões alcançam 20 metros de altura, e a cabeça tem 50 metros de diâmetro.
Transformado em Parque Nacional Marinho em 1984, Abrolhos recebe milhares de mergulhadores por ano, que embarcam na cidade baiana de Caravelas. Para o coordenador científico do Monitoramento de Recifes de Coral, Ricardo Coutinho, do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, os recifes da região merecem toda a atenção. “Há cerca de um ano, já observamos branqueamento nos chapeirões do Parcel de Paredes”..
O jardim do Atlântico
O Caribe é a região do Atlântico onde os corais melhor se desenvolveram. Representa também o limite de ocorrência de corais no Hemisfério Norte. As 3 000 ilhas que compõem o Arquipélago das Bahamas, a península de Yucatan, no sudeste mexicano, e as ilhas de Cuba e Porto Rico são considerados os melhores locais para observação e pesquisa de corais. Já o litoral da Venezuela não apresenta grandes colônias de coral, por causa dos inúmeros rios que desembocam na região.
As condições de mergulho no Caribe estão sujeitas à ação dos freqüentes furacões, que aumentam a quantidade de sedimentos da água e chegam a destruir algumas formações mais frágeis de corais.
Foi próximo à ilha de Porto Rico que os biólogos Ernest e Lucy Williams, da Universidade de Porto Rico, observaram pela primeira vez, em 1987, o preocupante branqueamento dos recifes.
A muralha submarina
Os minúsculos corais, fora o homem, são os únicos seres vivos que erigiram uma “obra de engenharia” que pode de ser vista do espaço. É verdade que levaram bem mais tempo. Os chineses consumiram 210 anos para construir os 2 400 quilômetros da Grande Muralha, enquanto os cnidários levaram cerca de 6 000 anos para formar os 2 012 quilômetros da Grande Barreira de Corais, localizada no nordeste da Austrália. Descoberta pelo navegante inglês James Cook em 1770, a Grande Barreira concentra mais de 400 espécies de corais, entre rígidos e macios, imensos cardumes de pequenos peixes, algas, esponjas e uma quantidade tão grande de águas-vivas que o mergulho na região é proibido entre outubro e maio, quando elas se multiplicam. As águas-vivas, que também são cnidários, têm um veneno que deixa feridas profundas na pele e, às vezes, chega até provocar a morte. Terminada a temporada do perigo, começa a dos mergulhadores. Os recifes situados a leste apresentam água morna e calma, enquanto, na barreira oeste, grandes tubarões que habitam o Mar de Coral nadam entre os recifes de coral
Mar quente e raso na Indonésia
A Indonésia, localizada no sudeste asiático, é um país fragmentado pela geografia. São mais de 13 000 ilhas que formam intrincados canais de difícil navegação, principalmente por causa da pouca profundidade. Este aspecto é perigoso para os barcos, mas cria o meio ambiente ideal para o desenvolvimento de recifes de coral: água quente, entre 25 e 28°C e muita luz. A grande atração da Indonésia e do Sudeste Asiático é a variedade de espécies e formas. No fundo submarino da região podem ser vistos recifes em franja (que se projetam diretamente para o mar a partir das praias), em barreira (quando formam um canal entre o mar e a costa) ou formando grandes bancos, que surgem quando diversos corais se fundem. Os atóis, que se formam sobre vulcões, criam ótimas condições de mergulho em suas lagoas, também existem nesta região. A riqueza dos mares da Indonésia faz do Sudeste Asiático um importante centro de estudos tanto da fauna do Oceano Índico quanto do Oceano Pacífico.