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Confirmada: a grande colisão das vizinhas da Via Láctea

Esse choque de monstro você poderia ter assistido da janela – se estivesse vivo há 100 milhões de anos.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 26 out 2018, 18h07 - Publicado em 26 out 2018, 17h35

A Via Láctea tem diversas galáxias-satélite, isto é: galáxias menores que flutuam em seu entorno, da mesma maneira que a Lua acompanha fielmente a Terra. As duas mais famosas são a Grande Nuvem de Magalhães (LMC) e a Pequena Nuvem de Magalhães (SMC), visíveis do hemisfério sul em locais de céu extraordinariamente limpo (como o Atacama, no Chile, onde fica o ESO, um dos mais importantes observatórios astronômicos do mundo).

A Grande Nuvem de Magalhães (ou LMC, na sigla em inglês) não é nem de longe tão grande quanto a Via Láctea – de fato, sua classificação oficial é “galáxia anã”. Só não se engane: mesmo as galáxias mais pitchulas são impensavelmente grandes na escala humana. A LMC tem 14 mil anos-luz de diâmetro. Se você imaginar que a distância entre a Terra e o Sol é a distância da sua casa até a padaria – digamos, uns 500 metros –, então a distância entre as duas extremidades da LMC equivale a ir e voltar de Pretória, na África do Sul, partindo de São Paulo. Detalhe: repetindo a viagem 28 mil vezes.

A Pequena Nuvem de Magalhães (SMC), em comparação à grande, de fato é pequena: tem só 7 mil anos-luz. Nenhuma das duas tem uma forma de espiral bem-definida como a Via Láctea: a LMC é uma faixa difusa, a SMC, uma bolota. Suspeita-se que a LMC estivesse no caminho de se tornar uma espiral quando interações gravitacionais com sua irmã menor e com a própria Via Láctea fizeram com que ela se tornasse assimétrica.

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Retrato de família: a Via Láctea acompanhada da Pequena e da Grande Nuvem de Magalhães. As duas estão na parte esquerda da foto, a Grande está embaixo. (ESO/Y. Beletsky/Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0))

Apesar de algumas evidências pouco conclusivas, ninguém sabe ao certo se um dia as duas nuvens de Magalhães trombaram uma com a outra. Ou melhor: ninguém sabia até agora. A equipe de Sally Oey, astrônomo da Universidade de Michigan, usou um telescópio em órbita da Agência Espacial Europeia (ESA) – o Gaia, lançado em 2013 – para rastrear o movimento individual de centenas de estrelas particularmente brilhantes no interior de cada uma das nuvens. E, comparando a trajetória delas, foi capaz de cravar que sim: as duas nuvens colidiram há algo entre 100 e 200 milhões de anos (na Terra, essa foi a época dos dinossauros).

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“Nós observamos as estrelas maiores, mais jovens, quentes e luminosas, que são razoavelmente raras”, explicou Oey em comunicado. “A beleza da LMC e da SMC é que elas são galáxias por si só, então nós tivemos a oportunidade de analisar simultaneamente todas as estrelas gigantes de uma única galáxia.”

Essas estrelas esquentadinhas são conhecidas como “OBs”. Só para esclarecer: o brilho de uma estrela é determinado em uma escala chamada Morgan-Keenan (MK), que em vez de números usa letras: da mais quente à mais fria, O, B, A, F, G, K e M (ordem que estudantes são ensinados a decorar com a espirituosa frase: “Oba, frango, ketchup e mostarda!”)

O nosso Sol, para fins de referência, é uma G. Veja abaixo:

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(Autor não atribuído/Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0))

As OBs, além de serem ridiculamente quentes (30 mil ºC, no mínimo), tem alguns hábitos curiosos. Por exemplo: elas costumam ser ejetadas dos aglomerados em que nasceram. Expulsas mesmo, sem dó. Um artigo científico de 1961 determinou que 20% das estrelas B e 3% das estrelas O não estão onde nasceram. Outro, mais recente (2005), apostou que até 90% delas são andarilhas solitárias.

Esses exílios podem ocorrer por vários motivos. Às vezes, duas estrelas estão “valsando” no delicado equilíbrio gravitacional em um sistema binário quando uma explode em uma violenta supernova, arremessando a outra para longe. Em outros casos, acontece simplesmente do aglomerado em que elas nasceram ser instável do ponto de vista gravitacional – e aí ele é obrigado a ejetar um ou dois membros para voltar ao normal.

Analisando com cuidado os desdobramentos da ejeção de cada estrela, Oey determinou que todas as gigantes de uma parte específica da Pequena Nuvem de Magalhães, chamada “asa” e localizada na porção sudeste, estão se deslocando na mesma direção: a direção da Grande Nuvem de Magalhães. E isso é exatamente o que um modelo de computador desenvolvido por Gurtina Besla, da Universidade do Arizona, previu que elas fariam caso as duas tivessem de fato colidido. Em outras palavras: o choque de monstro é real. Agora é torcer para a Via Láctea não entrar na brincadeira – e acabar engolindo as duas sem querer.

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