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Como a vida de Galileu pode inspirar a sua

"Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos deu os sentidos, a razão e o intelecto quis que abdicássemos de seu uso"

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 9 abr 2017, 13h34 - Publicado em 7 abr 2017, 19h56

Poucas pessoas na história da ciência tiveram tamanho discernimento e espírito crítico quanto Galileu. Ele nos ensina, em toda a sua plenitude, o valor de contestar a “sabedoria estabelecida” e dar a devida atenção a nossas próprias convicções – contanto que elas sejam formadas a partir do pensamento racional e se baseiem em informações que podemos verificar por nós mesmos.

Hoje, parece óbvio que a postura galileana era digna de admiração e aplausos. Contudo, temos de enxergar a situação pela ótica da época. Galileu teve de enfrentar todo tipo de preconceito – desde o acadêmico, escolástico, até o religioso, dogmático – para fazer prevalecer sua visão racionalista do mundo.

Seu valor na formalização do método científico e na ambição de somente fazer afirmações sobre o que se pudesse observar e medir com algum grau de precisão é inegável. Mas, noves fora o progresso da ciência, o que levamos para a vida cotidiana é a ambição de Galileu por espalhar o conhecimento, não limitando seus escritos aos acadêmicos da época, que apresentavam seus estudos em latim, em vez de usar a língua corrente da maioria das pessoas. Galileu reconhecia, desde aquela época, a importância de envolver o maior número possível de pessoas na aventura do conhecimento, tentando criar nelas o valor de pensar com a própria cabeça e fazer seu próprio juízo de valor. Naturalmente, eram ideias explosivas.

Também vale ressaltar o espírito rebelde de Galileu. Completamente avesso a argumentos de autoridade, ele vivia por suas convicções e não se deixava intimidar por quem quisesse calá-lo. E note que isso tem muito pouco a ver com estar certo ou errado. Galileu defendeu muitas noções corretas – como o heliocentrismo e a premissa fundamental de que a ciência não era necessariamente um impedimento ou um desafio à religião –,mas também apostou no cavalo errado diversas vezes, como quando apostou que os cometas eram uma ilusão ou que as marés eram causadas pelos movimentos da Terra.

A ciência, contudo, é feita de hipóteses verificáveis – estar certo ou errado faz parte do jogo, e não é vergonha ter ideias que no fim não acabam se mostrando compatíveis com a realidade observável. O mais importante é não aceitar os tabus culturais que impedem o progresso do conhecimento.

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Sabemos, por exemplo, que no ambiente profissional ou acadêmico contemporâneo, é muito mais comum ter uma postura de “vaquinha de presépio”, concordando e abraçando a autoridade estabelecida, do que contestando e propondo caminhos alternativos. Galileu nos ensina que nossas convicções têm valor, e que do conflito de ideias só pode nascer um entendimento superior. Se você é chefe, deveria valorizar opiniões diversas de seus funcionários. Se você é funcionário, não deveria se intimidar diante de instruções que lhe parecem equivocadas.

Isso quer dizer que a rebeldia deve ser um valor maior? Não. A grande sabedoria de Galileu foi saber quais brigas comprar. É especialmente icônico que, depois de levado à Inquisição, o cientista pôde salvar a própria vida, abjurando suas supostas heresias. Seu legado às gerações futuras já estava construído, e morrer por suas convicções seria um desperdício. Se Galileu seguisse, por exemplo, os passos de Giordano Bruno, um filósofo que não foi capaz de renegar formalmente suas ideias nem mesmo sob tortura, certamente nós teríamos ficado sem uma de suas maiores obras e contribuições ao progresso do conhecimento, seus Discursos e Demonstrações Matemáticas sobre Duas Novas Ciências, de 1638.

Convicções são algo pelo que lutar, mas é preciso saber que lutas valem a pena ser compradas e quais resultam apenas em desgaste desnecessário de energia. Enfrentamos diariamente dilemas desse tipo. Normalmente eles não podem nos custar a vida, como foi o caso com Galileu, mas, por vezes, cobram preços altos por uma decisão errada. Quando vemos um sujeito absolutamente genial lidando com uma situação extrema, vale a pena prestar atenção e ver o que se pode aprender com ele e o que pode ser aplicado em circunstâncias muito menos dramáticas.

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Note que a imagem que temos de Galileu não foi em nada diminuída pelo fato de ele ter, esgotados todos os argumentos racionais, cedido à autoridade eclesiástica e “renegado”, pró-forma, suas convicções. No fim das contas, como defendia o cientista italiano, a Terra de fato se movia e, com o passar do tempo, nenhuma postura reacionária, dogmática, seria capaz de contestar esse fato.

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