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Cientistas reviveram células mortas do cérebro de porcos. Mas e daí?

Técnica recuperou a atividade de neurônios 4 horas após a morte cerebral dos animais. Saiba por que esse feito pode ser importante.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 23 abr 2019, 19h26 - Publicado em 23 abr 2019, 19h25

A notícia alvoroçou a comunidade científica na semana passada: cientistas da Universidade Yale, nos Estados Unidos, fizeram com que células do cérebro de porcos voltassem a funcionar horas depois da morte dos animais.

Não foi um retorno à vida por completo. Não deu para recriar, por exemplo, impulsos elétricos entre os neurônios, algo essencial para devolver a consciência aos suínos. Mesmo assim, as células recuperaram seu metabolismo, respondendo a estímulos – algo que jamais havia sido conseguido antes.

Para chegar à descoberta, cientistas criaram um sistema chamado BrainEx, que bombeava um fluido artificial no cérebro dos porcos já mortos. Esse fluido fazia o papel de sangue, abastecendo as veias com oxigênio, açúcar e outros componentes essenciais. Foram analisados cérebros de 32 porcos, abatidos quatro horas antes para servir à indústria alimentícia.

Após seis horas sendo irrigados pelo sangue artificial, os tecidos cerebrais já funcionavam parcialmente. As células retomaram funções como o consumo de açúcar para a produção de energia e o descarte de resíduos, como o CO2. Além disso, elas reagiram a drogas aplicadas pelos pesquisadores.

Células nervosas do córtex pré-frontal, ao serem analisadas no microscópio, aparentaram estar saudáveis. Enquanto um dos cérebros foi mantido dessa forma por 36 horas, os que não foram colocados no BrainEx se deterioraram, como se espera de um cérebro sem vida. Os resultados foram publicados na revista científica Nature.

“Mas o que tudo isso significa, cientificamente falando?”, você, leitor, pode se perguntar. Primeiro, esse é um sinal forte de que o cérebro dos mamíferos é mais resiliente do que se imaginava. Sabemos há muito tempo que a morte não acontece instantaneamente: um corpo que é decapitado, por exemplo, ainda pode dar alguns passos mesmo sem cabeça. Mas essa relação parecia ser mais definitiva a nível celular.

Uma vez que o suprimento de sangue do cérebro acaba, células param de funcionar e as conexões entre os neurônios são interrompidas em poucos segundos. O dono do cérebro perde a consciência e, depois disso, inicia-se um efeito cascata, em que a falência na central de comando acaba desligando o corpo todo. Caso o abastecimento de sangue não seja recuperado em minutos, é morte na certa. A chamada “morte encefálica” é o critério fundamental para atestar a morte de alguém e eleger um falecido como doador de órgãos, por exemplo.

A técnica dos cientistas, porém, foi utilizada em um cérebro que havia parado de funcionar há quatro horas – momento em que as cobaias suínas perderam a cabeça e tiveram seus cérebros retirados do crânio. Sendo assim, isso poderia alterar um conceito médico já bem estabelecido. Como cravar alguém como morto, uma vez que ainda é possível recuperar sua atividade cerebral? O que é a morte do corpo, já que as células ainda podem, de certa forma, voltar à atividade que exerciam em vida?

“A morte – e isto está se tornando cada vez mais claro – representa uma ampla camada de tons de cinza, e devemos esperar que essa camada cresça ainda mais de acordo com o progresso da ciência”, explica Katharina Busl, professora da neurologia da Universidade da Flórida, em artigo para o site The Conversation.

Isso significa que a técnica poderia manter um cérebro vivo indefinidamente? A resposta é não, principalmente porque cientistas não sabem ao certo a durabilidade do sangue artificial. Manter o órgão vivo, aliás, não significa retardar ou impedir o processo natural de envelhecimento.

Segundo os pesquisadores, ainda não é possível cravar se essa técnica poderia ser aplicada em um cérebro humano recém-morto. O sangue artificial usado para “reviver” o cérebro não conta com vários componentes encontrados no sangue humano, como as células imunes, o que torna o experimento um pouco diferente das condições normais. “Clinicamente falando, este não é um cérebro vivo, mas um cérebro com células ativas”, resumiu Zvonimir Vrselja, pesquisador que co-assina o estudo, em comunicado. É possível encontrar células ativas em um coração morto, o que não o elege como vivo por tabela.

O que a BrainEx possibilita, de fato, é manter parte do cérebro vivo longe do corpo por mais tempo. Isso pode servir para que se estude como lesões cerebrais causadas por infartos, ou outras doenças vasculares, comprometem o suprimento de sangue do cérebro. Isolando o órgão, pode-se testar como medicações agem diretamente no órgão – sem precisar lidar com o restante do corpo.

Justamente pelo fato do sistema BrainEx ser testado apenas fora do corpo, a ideia de um transplante de cérebro, ou ainda, da reversão de um caso de morte encefálica, permanece distante. Principalmente porque retirar o órgão do corpo e recuperar suas funcionalidades por completo passa por reconectá-lo à espinha dorsal. É essa parte que garante que os estímulos da central de comando caminhem pelo corpo todo. Pensar em um cenário em que seja possível congelar um cérebro morto e trazê-lo à vida anos depois esbarra no mesmo problema.

Quanto à capacidade de devolver a consciência a um cérebro, o buraco é ainda mais embaixo. Para isso, precisaríamos, primeiro, entender exatamente como ela funciona, e como ela depende das relações entre os neurônios – algo que ainda precisa ser estudado mais a fundo.

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