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Cientistas calculam risco ecológico na liberação de micróbios pré-históricos congelados

Com o aquecimento global, patógenos "zumbis" preservados no permafrost da Rússia e do Canadá podem voltar à ativa – e causar não apenas doenças em humanos, mas desequilíbrios graves em ecossistemas.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 7 ago 2023, 15h38 - Publicado em 2 ago 2023, 18h53

O solo no extremo norte da Rússia e do Canadá, ao longo do litoral do Oceano Ártico, é tão frio que permanece congelado o ano todo, mesmo no verão – um fenômeno denominado permafrost, que alcança até 300 metros de profundidade. Essas regiões de congelamento permanente preservam seres vivos mortos há muito, muito tempo: já se encontrou um bebê de rinoceronte-lanudo de 10 mil anos atrás, dois filhotes de mamute com 40 mil anos e uma colônia de pinguins de 5 mil anos. 

Nem só com megafauna, claro, se faz um ecossistema. Bactérias, vírus e outros organismos microscópicos das antigas também se escondem no permafrost. Nem todos estão mortos. Alguns permanecem dormentes, sem prazo de validade. Se o gelo derrete – um oferecimento do aumento nas temperaturas médias da Terra, causado pela emissão de gases de efeito estufa –, alguns deles podem voltar à ativa. 

Em 2014, um Phitovirus retirado de uma amostra siberiana de 30 mil anos voltou à ativa em laboratório. Em 2016, a bactéria causadora da doença antraz escapou de um trecho de solo derretido e matou milhares de renas (bem como dezenas de humanos) no interior da Rússia. Em 2003, uma bactéria encontrada no gelo na região do Tibet teve sua idade calculada em 750 mil anos. 

O natural, ao ler isso, é pensar “pandemia pré-histórica, corram para as colinas”. E não dá para descartar algo desse tipo, é claro. Mas o fato é que a maioria esmagadora dos vírus e bactérias não são patogênicos para seres humanos (existem muitas bactérias, de fato, que não causam doenças em nenhum ser vivo. Levam uma vida livre, obtendo seu sustento sem parasitar outras espécies – ou trocando favores com elas, em simbiose). 

O problema é mais sutil: micróbios de outra era atuam como espécies invasoras, que desequilibram um ecossistema conforme o colonizam. Em cada bioma, a interação entre carnívoros, herbívoros e decompositores cria uma rede complexa de interdependências, que regula o tamanho da população de cada espécie. A introdução repentina de um alienígena (seja ele de outro lugar no tempo ou de outro lugar no espaço) bagunça essa rede – gera a multiplicação desenfreada de alguns seres e a extinção de outros. 

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Um grupo de pesquisadores de diversos países – a maior parte deles trabalhando na Universidade de Helsinki, na Finlândia – usou um software chamado Avida para simular os efeitos da propagação de microorganismos pré-históricos em um ecossistema contemporâneo. No Avida, há dois tipos fixos de organismos: os de vida livre e os parasitas. A diferença é que os parasitas, para se reproduzir, precisam roubar espaço dos demais organismos na CPU. 

De geração em geração, todos os seres vivos in silico sofrem mutações. A maior parte delas é deletéria, ruim para a reprodução deles, como ocorre na natureza. Volta e meia, porém, há uma mutação benéfica, e ela rapidamente se espalha na população – o processo conhecido como seleção natural. 

O que os pesquisadores fizeram no Avida foi simular a evolução de um ecossistema do zero, partindo de um ancestral comum. Após milhares de gerações, os descendentes desse ancestral vão se diferenciando pelo acúmulo de mutações e se ramificam em um grande número de espécies virtuais. De tempos em tempos, claro, algumas espécies são extintas e outras ocupam seus nichos ecológicos. 

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O próximo passo do estudo foi pegar uma espécie já extinta e reinseri-la em seu ecossistema, mas em outra época. Há vários desfechos possíveis para essa situação. Por um lado, essa espécie pode ter ficado para trás na corrida armamentista da seleção natural. Se ela não tem adaptações para lidar com os seres vivos mais recentes, ela acaba eliminada do jogo. Por outro lado, ela pode se tornar um sucesso reprodutivo, justamente por possuir características com que os micróbios do presente “desaprenderam” a lidar. 

Resultado: o microorganismo das antigas só conseguia se estabelecer de maneira dominante no ecossistema novo em 3% dos casos. As consequências dessa nova peça no tabuleiro variaram de simulação em simulação – no pior dos cenários, a espécie-zumbi gerou um desequilíbrio capaz de eliminar 30% dos indivíduos do ecossistema.

A conclusão é que é raro um microorganismo conseguir se estabelecer em outra época. Mas há incontáveis espécies se libertando do permafrost neste exato momento na Sibéria – e basta uma, dentre tantas, para interferir de maneira imprevisível no ecossistema. 

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Os pesquisadores escrevem: “Nós não modelamos o risco potencial para seres humanos, mas o fato de que patógenos ‘viajantes do tempo’ possam se estabelecer e degradar a comunidade que os hospeda é preocupante. Essa é mais uma fonte em potencial para a extinção de espécies na era moderna – que mesmo os cenários mais pessimistas não levam em conta.”

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