Brasileiros transformam artigo científico sobre insetos em HQ
Um biólogo e um quadrinista se uniram para contar como insetos sobrevivem e se reproduzem em riachos que secam durante o ano
A ciência pode ser facilmente transformada em histórias. Ecossistemas, teorias quânticas, arqueologia: com cuidado e boa vontade, dá para contar e explicar tudo de uma forma didática e envolvente (como, modéstia à parte, fazemos aqui na SUPER). É isso, aliás, que alguns cientistas têm procurado fazer. É o caso do biólogo e pesquisador da USP Luciano Queiroz, que se uniu ao cartunista Marco Merlin para publicar em forma de quadrinhos um artigo científico sobre um tema complexo.
Ciclos nasceu para ilustrar um estudo que explica como insetos aquáticos sobrevivem e se reproduzem em riachos intermitentes do Cerrado, que secam entre abril e setembro. A ideia surgiu no início de 2017, logo após a conclusão do trabalho. “Ele [Luciano] já chegou com essa proposta pronta: adaptação de um artigo científico para a linguagem dos quadrinhos, para ser divulgado via web”, disse Merlin à SUPER. A obra foi finalizada no final de 2018.
O objetivo de transformar o artigo em HQ era tornar esse conhecimento acessível ao público. Apesar da aparência lúdica, as informações científicas principais estão lá, descritas de forma simples. “Tentamos não deixar claro logo no início do quadrinho que ele trata de ciência. A ideia é que a pessoa leia, ache curioso e, quando perceba, já tenha chegado até o fim, aprendido novos conceitos e se divertido”, disse Luciano.
Na pesquisa, os cientistas instalaram cinco habitats artificiais – uma espécie de bolsa de nylon preenchida com pedrinhas – em riachos intermitentes. A cada semana eles retiravam o habitat para coletar os insetos presentes e analisá-los em laboratório. Ao mesmo tempo, colocavam outro habitat artificial no lugar. Ao final de 5 semanas, conseguiram detectar o famoso “ciclo” do título. E ainda apresentaram insetos aquáticos não tão conhecidos pelo público – como os efemerópteros, trichopteros e plecopteros, alguns dos personagens da tirinha.
“Venha pela piada, fique pela ciência”
A parceria entre Luciano e Marco não começou com Ciclos. No final de 2015, Merlin conheceu o podcast de Luciano, Dragões de Garagem, e logo se identificou com o estilo descontraído da equipe. Como já gostava de ciência, mas não podia participar ativamente da área por não ser cientista, Merlin enviou um e-mail ao grupo propondo uma parceria para a criação de tiras de humor com conteúdo científico.
“Para eles seria uma forma excelente de atrair novos públicos para o podcast e, para mim, era uma maneira de contribuir com a divulgação científica, além de aumentar o alcance do meu trabalho”, conta o quadrinista. A parceria deu certo e, em janeiro de 2016, começaram a ser publicadas as Cientirinhas, com periodicidade semanal.
Diferentemente de Ciclos, elas são curtas, com quatro quadros e têm um viés de humor. São um sucesso: já chegaram ao número 132. Ainda neste ano, as melhores tiras serão publicadas em um livro. “Sou da opinião de que o brasileiro gosta de ciência, ou melhor, o brasileiro é curioso. Quantas vezes você já ouviu alguém comentando na rua ou no ônibus sobre uma matéria científica do Globo Repórter ou do Fantástico? […] Nós, cientistas, temos que aprender como falar de ciência para o grande público”, afirma Luciano.
A dupla já vislumbra possíveis artigos científicos que também podem virar HQ. Um deles é a atual pesquisa de Luciano sobre bactérias e vírus envolvidos na produção de queijo. Merlin acredita que há demanda por novos formatos e linguagens na divulgação científica. “Dedicar-se a encontrar formas mais acessíveis de levar a ciência às pessoas é não apenas um exercício de humildade, mas também uma questão de sobrevivência do próprio meio científico”, conclui o quadrinista.
Nós curtimos a ideia, e você?