Americanos são de marte, soviéticos são de vênus
Por estilo ou destino, os russos nunca tiveram sorte em missões marcianas; em compensação, bateram os americanos nas venusianas
O título ao lado parece nome de livro de psicologia e autoajuda, mas é apenas uma curiosa coincidência da exploração espacial. A história começa a se desenhar para valer a partir da década de 1970, quando as missões à Lua se tornam notícia velha e as sondas interplanetárias começam a roubar a cena. Surgia uma noção inusitada: os soviéticos pareciam ter um azar tremendo quando enviavam um robô na direção de Marte. Os americanos, em contrapartida, jamais conseguiriam obter uma foto tirada da superfície de Vênus.
É bom que se diga que nenhuma das duas missões era simples. E cada uma tinha um conjunto completamente diferente de desafios. Para chegar a Marte, a coisa mais complicada era fazer o trajeto – mais longo – até o planeta e depois realizar um pouso suave, automatizado, cruzando a tênue atmosfera marciana. Já para Vênus o caminho era mais curto, mas uma sonda precisava estar preparada para resistir a uma pressão atmosférica 90 vezes mais intensa que a da Terra. É mais ou menos como estar a 1 quilômetro de profundidade, sob o oceano. Com um detalhe: além da pressão, a sonda teria de suportar um calor absurdo de quase 500 graus Celsius.
A primeira sonda a efetivamente conseguir fazer um pouso na superfície de Vênus foi a soviética Venera 7, de 1970, que transmitiu dados por 23 minutos do solo venusiano antes de ter seus circuitos completamente fritados. Mas as primeiras imagens, ainda em preto-e-branco, da superfície só viriam com as sondas Venera 9 e 10, que desceram por lá em 1975.
Em paralelo a essas sondas, os russos desenvolviam as Mars, destinadas ao planeta vermelho. Mas, como elas precisavam estar pressurizadas para funcionar, durante a viagem mais longa até Marte o ar de dentro delas acabava escapando para o espaço, inutilizando os equipamentos de bordo. Algumas até conseguiram tirar fotos do espaço, mas nada mais que isso.
Em compensação, os americanos, que só haviam feito “quedas” em Vênus, conseguiram, em 1976, pousar não uma, mas duas espaçonaves em solo marciano. As famosas sondas Viking 1 e 2 foram um sucesso espetacular. Enviaram as primeiras imagens obtidas diretamente da superfície de Marte, revelando um visual estranhamente terrestre – basicamente um deserto de terra batida e pedregulhos.
As Vikings foram também as primeiras a levar experimentos destinados a tentar detectar vida no planeta vermelho. A Nasa é categórica ao dizer que a técnica usada não detectou micróbios marcianos, mas o criador do experimento, o americano Gilbert Levin, jura até hoje que alguns dos estranhos resultados obtidos pelas sondas têm a ver com a ação de bactérias.
De qualquer forma, a impressão geral foi de que Marte era frio e seco demais para abrigar vida; já Vênus era quente e seco demais para abrigar vida. Isso, entretanto, não impediu os soviéticos de continuarem despachando sondas para lá. As mais impressionantes talvez tenham sido as Veneras 13 e 14, que em 1982 fizeram as primeiras imagens coloridas da superfície venusiana.
Os resultados obtidos pelas espaçonaves soviéticas até hoje encantam os cientistas. O americano Don Mitchell, por exemplo, é um pesquisador aposentado dos Bell Labs e da Microsoft que agora se dedica a um projeto interessante: “remasterizar” as imagens de Vênus obtidas pelos soviéticos. Ele ficou tão envolvido pelo sucesso soviético com aquele planeta infernal que está escrevendo um livro sobre o assunto. “Está na hora de começarmos a contar histórias objetivas sobre todas as coisas fascinantes feitas no programa espacial soviético”, diz. “Tenho orgulho dos sucessos americanos e fico feliz de ver o socialismo declinar. Mas odeio quando as pessoas introduzem sua política no subtexto de artigos sobre ciência e história.”
CORRENDO ATRÁS
Claro, a Nasa também acabou tendo uma boa dose de sucesso em Vênus, embora nunca a ponto de produzir imagens em sua superfície. A mais ambiciosa investida americana contra aquele mundo inóspito foi a sonda orbitadora Magellan (em homenagem ao explorador português Fernão de Magalhães, o primeiro a circunavegar a Terra), que fez um mapeamento muito preciso, com radar, do globo venusiano. A espaçonave passou 4 anos, de 1990 a 1994, trabalhando nisso – justamente a época em que a União Soviética já estava botando os bofes pra fora.
Em seguida, após a queda do comunismo, os russos bem que tentaram dar o troco em Marte, com a sonda Mars 96. Mas uma falha no foguete lançador impediu que a espaçonave fosse colocada a caminho do planeta vermelho. Felizmente, por essa data, a Nasa já tinha tropeçado naquele meteorito vindo de Marte que parecia conter fósseis de bactérias e estava louca para voltar a botar para quebrar. Desde 1996, data do anúncio das descobertas feitas com o meteorito, a agência americana bolou um plano agressivo de exploração de Marte, que contou com pousos bem-sucedidos da sonda Mars Pathfinder (1997), dos jipes Spirit e Opportunity (2004) e da espaçonave Phoenix (2008).
O próximo lançamento na direção de Marte deve ser mais uma tentativa russa: a Fobos-Grunt, com início de voo previsto para o fim deste ano, não mais tentará um pouso no planeta, mas, sim, na maior das duas luas marcianas. Quanto aos americanos, devem despachar em 2011 o Mars Science Laboratory, jipe robótico mais sofisticado já mandado a qualquer parte do sistema solar. Já Vênus, em 2006, recebeu a visita da sonda orbitadora europeia Venus Express, que segue trabalhando em órbita daquele mundo. No momento, não há planos, por parte de nenhuma agência espacial, para o envio de uma nova sonda ao solo venusiano.
A evolução das sondas marcianas
Confira a progressão das naves que conseguiram pousar na superfície do planeta vermelho e sobreviver para contar a história.
Vikings I e II (1976), as pioneiras em Marte, pousaram com propulsores.
Mars Pathfinder (1996), usando air bags para o pouso, levou o jipe Sojourner.
Spirit e Opportunity (2004), robôs-veículos-geólogos mais sofisticados.
Phoenix (2008), sonda destinada a explorar o gelo do polo norte marciano.
Lenda Espacial
A NASA esconde os homenzinhos verdes?
Parece inacreditável, mas tem gente que acredita que a Nasa esconde evidências de vida – quiçá até de uma civilização – no planeta vermelho. A boataria se formou a partir de algumas das imagens coletadas por sondas despachadas ao planeta vermelho. A mais famosa delas é a chamada “face de Marte”, uma formação montanhosa que, vista do alto pela sonda Viking 1, parecia muito similar a um rosto humano. Imediatamente surgiram rumores de que se tratava de um monumento construído por uma civilização marciana. O blablablá ficou tão intenso que a Nasa teve de começar a se defender da acusação de não divulgar fotos mais detalhadas daquela região.
A partir daí, teve gente começando a enxergar pirâmides em outras imagens de Marte, para não falar em “evidências” de vida nas fotos colhidas no solo do planeta. A poeira só começou a se dissipar quando a sonda Mars Global Surveyor, em 1997, voltou a fotografar a “face de Marte”. Ficou mais do que claro que tudo não passava de jogo de luz e sombra.