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Ainda estamos evoluindo: humanos com três artérias nos braços agora são comuns

No século 19, apenas 10% da população adulta possuia a artéria mediana nos seus braços. Agora, esse número triplicou – e esse traço pode se tornar o padrão até o final do século.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 9 out 2020, 19h34 - Publicado em 9 out 2020, 19h12

Quando pensamos em evolução, podemos cometer o erro de imaginar o ancestral comum dos homens e dos macacos se modificando ao longo de milhões de anos até dar origem ao Homo sapiens – que parece uma espécie de “estágio final”.

É uma ideia errada: assim como todas as espécies, nós somos apenas uma solução de sobrevivência temporária, e continuamos a nos transformar. Não existe um estado perfeito nem uma meta: a evolução não caminha em um sentido; ela é só uma resposta mecânica a transformações no ambiente.

O problema é que a maioria das mudanças decorrentes da seleção natural e de outras forças evolutivas (como a deriva genética e o efeito fundador) são imperceptíveis em escalas de tempo reduzidas.

Dissemos “a maioria”; este texto fala de uma exceção. Cada vez mais humanos estão nascendo com uma artéria extra nos braços – e essa característica poderá se tornar majoritária em poucas gerações, evidenciando um processo de microevolução na espécie humana.

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(Antes de continuar, um adendo. Infelizmente, graças a permanência do raciocínio lamarckista entre leigos, é comum alguns leitores imaginarem que “evoluir” significa que alguém vai adquirir a artéria em vida. Que o vaso sanguíneo vai surgir no interior do braço de alguém que não o possuia.

Não. Os processos evolutivos se dão pelo aumento da frequência de uma característica ao longo das gerações. Quem nasceu sem, morre sem. E se nenhum dos pais têm uma característica, eles não podem transmiti-la para um filho. O que acontece é que os bebês que possuem a característica se tornam adultos ligeiramente mais bem sucedidos em se reproduzir, aumentando a prevalência do traço na população ao longo das gerações.)

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A artéria em questão se chama artéria mediana. No início da gestação, ela acompanha o nervo mediano, que liga o cérebro aos antebraços e às mãos. Por volta da oitava semana de desenvolvimento, porém, a artéria mediana geralmente desaparece e dá lugar a dois outros vasos sanguíneos: a artéria ulnar e a artéria radial (essa última é a que sentimos quando medimos a pulsação de alguém).

Acontece que nem todas as pessoas perdem a artéria mediana em detrimento das outras duas. Algumas simplesmente nascem com as três em pleno funcionamento, alimentando os antebraços com sangue, e às vezes as mãos também. Essa condição é chamada, não muito criativamente, de persistência da artéria mediana.

No século 19, anatomistas já notavam a existência de pessoas que tinham essa artéria a mais. Nessa época, calcula-se que cerca de 10% dos humanos mantinham o vaso sanguíneo na vida adulta. Ou seja: era uma característica claramente minoritária.

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Uma pesquisa realizada na Austrália, porém, revelou que a artéria mediana é cada vez comum. A equipe analisou 78 membros superiores de cadáveres doados à ciência, sendo que todos os mortos eram australianos com ascendência europeia nascidos no século 20.

Eles descobriram que 26  dos membros – um terço – tinham a artéria mediana. Os resultados foram publicados na revista científica Journal of Anatomy.

Comparando séries históricas de outros estudos, eles verificaram que a persistência da artéria na população australiana com ascendência europeia triplicou em apenas um século – o que é uma microevolução bastante rápida para os padrões de qualquer espécie.

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Microevoluções são mudanças sutis na frequência de genes em uma população que acontecem em um período de tempo observável, como em apenas algumas gerações. Elas podem ocorrer pela introdução de um novo gene em uma população por indivíduos estrangeiros. Também podem ser fruto da seleção natural. Por fim, podem ser uma simples aleatoriedade (um processo conhecido como deriva genética).

Ainda não sabemos por que a persistência da artéria mediana está ficando mais comum. Ter ou não esse vaso sanguíneo extra não parece ter nenhum impacto relevante em nossa anatomia, mas é possível que algumas pequenas diferenças entre quem tem a artéria e quem não tem existam.

Há quem especule que uma terceira fonte de sangue e oxigênio possa ajudar a ter antebraços e mãos um pouco mais eficientes e fortes, mas isso não tem nenhuma comprovação empírica, e a força física não é mais um fator tão determinante para a sobrevivência e sucesso reprodutivo dos cidadãos de países desenvolvidos.

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Mesmo que tal vantagem exista, há um problema para compensá-la. O vaso extra aumenta as chances do indivíduo desenvolver a chamada síndrome do túnel do carpo, que se manifesta na forma de dor e dormência no pulso e nas mãos. A síndrome aparece quando o nervo mediano é pressionado na região do antebraço, e uma trombose na artéria mediana é capaz de causar o problema.

Não é impossível descartar a hipótese de que a mudança não tenha origem genética, e seja resultado de alguma mudança na gestação. “Esse aumento na persistência pode ter resultado de mutações nos genes envolvidos no desenvolvimento da artéria mediana, mas também de problemas de saúde das mães durante a gravidez, ou, talvez, de ambos”, especulou em comunicado Teghan Lucas, autora principal do estudo e professora de anatomia na Universidade de Adelaide.

Seja lá qual for o fenômeno responsável pela mudança – novas pesquisas são necessárias para termos essa resposta –, tudo indica que ela veio para ficar. Os autores especulam que, em 80 anos, a persistência da artéria mediana deixe de ser algo raro e se torne um padrão.

Dessa forma, a persistência da artéria mediana agora integra uma lista das microevoluções que observamos na espécie humana na história recente. Outra delas é o ressurgimento do pequeno osso conhecido como fabela, que fica na parte de trás do joelho e não tem uma função anatômica clara. Em 1918, apenas 11% dos humanos apresentavam a fabula, o que fez os cientistas especularem que as pressões evolutivas fariam o osso sumir da nossa espécie. Em 2018, porém, 38% dos humanos apresentavam a característica – três vezes o número do século passado.

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