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A realidade é uma ilusão. E ele quer provar

Para o físico americano Tom Campbell, vivemos dentro de uma grande simulação – e dá para comprovar isso fazendo uma experiência em laboratório. Será?

Por Salvador Nogueira e Bruno Garattoni
Atualizado em 17 Maio 2023, 17h22 - Publicado em 24 ago 2018, 15h48

Você já deve ter ouvido a ideia. Vivemos imersos numa espécie de “matrix”, e tudo o que nos cerca não passa de uma simulação de computador. Muita gente, de filósofos contemporâneos a Elon Musk, já defendeu essa hipótese. Mas ela não é apenas uma divagação existencial: um grupo de cientistas americanos pretende realizar um teste para comprovar que, sim, a realidade é uma grande ilusão. O projeto é liderado por Thomas W. Campbell, um físico que trabalhou mais de 30 anos para a Nasa e o Departamento de Defesa dos EUA. “É fácil de entender, porque hoje temos sistemas e jogos de realidade virtual”, diz Campbell. “Um dos meus favoritos é o World of Warcraft. Se eu estiver certo, a realidade é como esse jogo, e nossos corpos são só avatares.”

É um conceito nada convencional, para dizer o mínimo. E Tom Campbell não tem muito de convencional. Paralelamente à carreira como físico, ele também dedicou bastante tempo à metafísica, investigando temas como meditação transcendental, estados alterados de consciência e experiências extracorpóreas. Está longe do estereótipo de cientista cético, pé no chão. Possui um lado inquestionavelmente new age – mas isso não impediu que 1.127 pessoas doassem US$ 236 mil, numa campanha de financiamento coletivo, para que ele faça a tal experiência e prove que a realidade não é real. Para Campbell, a chave está na mais estranha das ciências: a física quântica.

A mecânica das interações quânticas (que ocorrem entre quantidades muito pequenas de matéria ou energia) é tão bizarra que, de fato, não podemos culpar ninguém por acreditar que a realidade possua um quê de simulação – ou, no mínimo, não tenha sido perfeitamente explicada. Pegue o caso da luz, por exemplo. Para a física quântica, ela pode ser duas coisas totalmente diferentes: uma onda eletromagnética ou um fluxo de partículas, dependendo da circunstância. E, como se isso não fosse maluco o suficiente, a teoria vai além – e diz que a observação cria a realidade. Isso significa que, se você não observar a luz, ela não será nem onda nem partícula (ou será ambas as coisas ao mesmo tempo). O ponto é: ao observar uma coisa, você modifica essa coisa. E a realidade só se materializa, de fato, quando é observada ou medida de alguma forma.

Trata-se de um pensamento perturbador, que já incomodou muitos cientistas. A começar por Albert Einstein, o primeiro de muitos que tentaram construir teorias mais concretas, que superassem essa subjetividade da física quântica. Até hoje, nenhum conseguiu. Campbell quer ir no sentido contrário. Para ele, a incerteza quântica é uma prova de que, na verdade, o Universo é uma simulação – pois, como toda simulação, procura economizar recursos. Vamos explicar. Quando você está jogando um game, o seu computador ou PlayStation só desenha a cena que você está vendo naquele exato momento (ele não desenha a pista de corrida inteira, ou todas as ruas da cidade virtual onde o jogo se passa). É que o computador não possui, nem de longe, capacidade de processamento suficiente para gerar tudo – e não há por que desenhar coisas que o jogador não está vendo. É a regra da economia de recursos.

Para Campbell, a mesma coisa ocorre com o Universo. Ele só gera aquilo que é necessário, e por isso a realidade só se materializa quando alguém a observa. No ano passado, ele publicou um artigo científico de 21 páginas detalhando  como pretende provar isso. A ideia é desenvolver um dos experimentos mais famosos e intrigantes de toda a história da física: o teste da fenda dupla.

Dois em um

O teste foi realizado pela primeira vez em 1801, pelo físico inglês Thomas Young. Ele consiste em disparar um feixe de luz contra uma placa, que possui duas fendas paralelas, e observar a sombra projetada num anteparo do outro lado. Ao ser forçada a passar pelas  duas fendas, a onda de luz se divide em duas, que interagem para se anular ou se reforçar (do mesmo modo que ondas no mar podem se juntar e crescer, ou se anular, quando uma crista encontra um vale), e isso projeta faixas de luz e sombra no anteparo. Com essa experiência, Young comprovou que a luz era uma onda.

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Tudo parecia simples até que, em 1905, quando Einstein mostrou que a luz também podia ser descrita como uma partícula. O teste foi aperfeiçoado e então se constatou que, se você colocasse um detector (como uma câmera) nas fendas, a onda de luz colapsava – e passava a se comportar como partícula, projetando um desenho diferente no anteparo.

Era como se a luz “soubesse”, de alguma forma, que havia sido observada. Já se você tirasse o detector, ela voltava a se comportar como onda. O ato de observar a realidade determina a realidade. É um contrassenso. Ou, como disse o grande físico americano Richard Feynman, “um fenômeno que é impossível de explicar (…) e traz em si o âmago da mecânica quântica”.

Campbell propõe uma nova versão do teste da fenda dupla. Nela, a grande diferença é que os dados gerados pela experiência são gravados em dois computadores. Um deles registra os desenhos projetados no anteparo; o outro registra a passagem da luz por uma das fendas [veja no infográfico abaixo]. Como a passagem da luz foi registrada, em tese ela tem de colapsar, ou seja, comportar-se como partícula e não como onda. Mas, aqui está a jogada, Campbell pretende destruir o computador #2. Os dados que ele capturou não poderão ser lidos. Se a realidade for uma simulação, isso irá alterar as informações contidas no computador #1, o que sobrou. Será como se o computador destruído nunca tivesse existido, e a luz não tivesse colapsado. Tudo isso porque o “sistema” só simula o que nós tentamos enxergar, e não todas as coisas possíveis.

Trata-se de uma variação de uma classe de experimentos conhecidos como “apagadores quânticos”, que já foram realizados antes. Neles, a passagem da luz pelas fendas é observada por detectores, mas depois essa informação é eliminada, e a luz volta a se comportar como onda. A diferença é que, ao usar (e destruir) computadores, Campbell pretende demonstrar que a incerteza quântica também se aplica ao mundo macroscópico – e, portanto, influencia a nossa vida. Mas especialistas em física quântica (coisa que Campbell, formado em física nuclear, não é) não parecem muito impressionados. “A análise teórica é bastante superficial e sem muito rigor”, desdenha Rafael Chaves, pesquisador do Instituto Internacional de Física da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e especialista em mecânica quântica.

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Para ele, o experimento não será capaz de provar que vivemos numa simulação. Isso porque os resultados do teste precisarão ser interpretados, ou seja, continuará existindo um componente subjetivo – o que impedirá Campbell de comprovar, objetivamente, sua tese.

Na prática, o máximo que a experiência poderá fazer é replicar o já comprovado (e inexplicado) efeito fantasmagórico. Seria um belo mais do mesmo, e continuaríamos sem saber se a realidade é ou não uma ilusão.

Campbell admite que o teste tem fraquezas, mas pretende ir em frente e realizá-lo no ano que vem (o processo será registrado num documentário). “Eu não estou dizendo que tenho todas as respostas”, afirma.

De toda forma, a ideia de que pode haver mais sobre a realidade do que a realidade nos mostra é cada vez mais explorada, tanto na filosofia quanto na física – onde Campbell não é o único a tentar comprová-la. No ano passado, o físico Markus Muller, da Academia Austríaca de Ciências publicou um artigo no qual afirma que a realidade pode ser algo “emergente”, ou seja, derivado da percepção pessoal – e então propõe, com grande rigor matemático, a construção de um algoritmo que poderia ser utilizado para tentar calcular a “realidade objetiva”, ou seja, a real. O artigo é puramente teórico, mas, ao contrário da experiência proposta por Campbell, foi bem recebido pela comunidade científica. Cada um constrói sua própria realidade – inclusive ao tentar determinar o que é, ou não, real.

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COMO PROVOCAR UM BUG NA MATRIX
Físico quer tentar causar um erro na realidade – e provar que ela é uma simulação.

1. A LUZ COMO ONDA
Um feixe de luz é disparado contra uma placa, que tem duas fendas. Como a luz é uma onda eletromagnética (que, como toda onda, oscila), e as fendas são extremamente próximas uma da outra, a passagem da onda provoca interferência – e, por isso, a luz desenha uma série de riscos verticais no anteparo.

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2. A LUZ COMO PARTÍCULA
Dois detectores (câmeras) são instalados na placa, e o feixe de luz é disparado novamente. Algo estranho acontece: a luz deixa de se comportar como onda, e passa a se comportar como um fluxo de partículas (no caso, fótons). Como não há mais onda, não há mais interferência – e os fótons só desenham dois riscos no anteparo. Esse fenômeno se chama “colapso da função de onda”, e foi descrito em 1927 pelo físico alemão Werner Heisenberg.

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(Victor Beuren/Superinteressante)

 

O NOVO TESTE

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(Victor Beuren/Superinteressante)

1. CAMINHOS SEPARADOS
A luz é disparada e, depois de passar pelas fendas, segue dois caminhos separados. Metade dela (que vamos chamar de “feixe A”) vai direto para o anteparo, e projeta riscos nele. A outra metade (“feixe B”) é observada por uma câmera.

2. OS COMPUTADORES
O sistema está conectado a dois computadores. O computador 1 registra os desenhos projetado pelo feixe A. Já o computador 2 está conectado à câmera, que observa a passagem do feixe B e registra dados sobre ele.

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3. O QUE DEVERIA ACONTECER
Como o feixe B foi observado, teoricamente ele tem que “colapsar”: deixar de se comportar como onda eletromagnética e passar a agir como partículas. Em tese, essa transformação também teria de acontecer no feixe A. Mas agora vem o truque.

4. O PULO DO GATO
Tom Campbell acredita que se nós destruirmos o computador 2, sem olhar as informações que ele gravou, a onda não irá colapsar – e nenhum dos feixes de luz se comportará como partícula. Ambos continuarão sendo ondas, e nós poderemos comprovar isso conferindo o desenho, com vários riscos, que o feixe A projetou no anteparo.

5. O FIM DA REALIDADE
Perceba o raciocínio: nós abdicamos de checar uma coisa (os dados do computador 2), e por isso um fenômeno físico (o colapso do feixe B), que deveria ter acontecido (pois o feixe foi filmado pela câmera), simplesmente não ocorreu.
Para Campbell, isso signfica que as coisas só acontecem quando são observadas – e, portanto, nós vivemos dentro de uma simulação, que só gera os acontecimentos que podemos enxergar.

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