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A genialidade das plantas

Elas guardam novas memórias, traçam estratégias de guerra e conversam entre si. Conheça a inteligência mais menosprezada do planeta: a dos vegetais.

Por Lívia Aguiar
Atualizado em 5 nov 2019, 15h42 - Publicado em 17 jun 2016, 21h00

Imagine que você está dando uma festa no seu apartamento. Já são duas da manhã e seus convidados não vão embora de jeito nenhum, mas você só quer descansar. O que você faz para não parecer grosseiro? Uma boa estratégia é aumentar o som da vitrola e puxar uma pista de dança no meio da sala, na esperança de que os vizinhos comecem a reclamar. Não dá outra: cinco minutos depois, toca o interfone e a síndica bate na porta ameaçando chamar a polícia. Constrangidos, seus amigos vão embora e você pode finalmente dormir – não sem antes se parabenizar pela sua própria esperteza. O plano acima para encerrar a festa uniu planejamento, estratégia, antecipação de intenções e previsão a médio prazo. Só poderia ter sido bolado por alguém inteligente, certo?

Pois é exatamente a mesma coisa que fazem algumas espécies de milho e feijão para se proteger. Quando uma de suas plantações é atacada por taturanas, essas plantas liberam uma substância no ar que atrai vespas. As vespas se aproximam e as taturanas – que morrem de medo delas – se vão. Pronto, a plantação está salva. Tudo graças a um bom plano, e à genialidade discreta das plantas.

Você pode nunca ter reparado, mas plantas se comunicam, traçam estratégias de guerra, resolvem problemas, guardam memórias, traçam planos para o futuro e elaboram jogos de sedução para se reproduzir. Difícil dizer que não são seres inteligentes. A maior prova de seu brilhantismo é sua abundância. O reino vegetal forma 99,5% de toda a biomassa do planeta e existe na Terra desde muito antes de qualquer animal caminhar por aqui. Se todas as espécies vivas hoje em dia são as vencedoras da evolução – a versão mais atualizada e adaptada ao ambiente –, podemos dizer que os vegetais são bem mais espertos que nós. Afinal, conseguiram se multiplicar muito mais e melhor do que os humanos, por exemplo. Mas, apesar de serem verdadeiros Einsteins da evolução, só agora estamos começando a entender que eles são realmente sagazes. Entenda:

OS ONZE SENTIDOS DAS PLANTAS

1. Visão

Plantas medem a quantidade e a qualidade da luz, seus diferentes comprimentos de onda (cores) e, assim, orientam o crescimento de folhas e flores.

2. Paladar

Sentir gosto é detectar os compostos químicos do que comemos. Plantas detectam minerais e nutrientes e escolhem crescer ou fugir deles, de acordo com as necessidades.

3. Olfato

São as folhas que percebem compostos voláteis no ar e os utilizam como sinal de alerta ou de atração para animais.

4. Audição

A erva-estrelada, por exemplo, distingue o som de lagartas mastigando folhas (nem precisam ser dela mesma) e reage produzindo óleos e pigmentos tóxicos que repelem o predador. Mas isso só acontece com a frequência da mastigação da lagarta.

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5. Tato

Plantas diferenciam o toque: é só lembrar das plantas carnívoras, que fecham suas folhas quando um inseto encosta nelas (mas não o fazem quando uma folha as acerta, por exemplo).

6. Umidade

Plantas têm uma espécie de higrômetro nas raízes, que percebe quanta água há no solo e onde ela está. Este conhecimento orienta o crescimento das raízes.

7. pH

Cada espécie tem seus níveis ideais de acidez para sobreviver. As flores da hortênsia, por exemplo, mudam de cor de acordo com o pH e a concentração de alumínio do solo: se o pH é baixo e o alumínio é alto, ela será azul. Se for o contrário, será rosa.

8. Dureza

Plantas sentem que estão prestes a encontrar no solo um objeto poroso, que podem perfurar com suas raízes, ou um impenetrável. Assim, mudam o trajeto de crescimento antes mesmo de fazer qualquer contato.

9. Gravidade

Plantas sentem a gravidade da Terra e a utilizam para orientar seu crescimento. Esse geotropismo faz com que elas cresçam sempre para cima (ou para baixo, no caso das raízes).

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10. Eletromagnetismo

Elas sentem campos eletromagnéticos, inclusive o eixo geomagnético da Terra.

11. Calor

Plantas são sensíveis a mudanças de temperatura e percebem a variação de apenas 1 °C. Assim, coordenam respostas apropriadas: quando a temperatura aumenta, seu DNA liga e desliga alguns genes para proteger as plantas do calor.

Seja como for, a nossa maior dificuldade está em reconhecer que a inteligência das plantas se manifesta de forma diferente da nossa. Temos a tendência de querer extrapolar nossas características nas outras espécies e tentar reconhecer comportamentos parecidos nelas. Em animais, até dá para fazer isso. Mas com as plantas não funciona assim. Para entender o brilhantismo vegetal, é mais eficiente tentar enxergá-las como alienígenas que por acaso habitam o mesmo planeta que nós. Elas tiveram um caminho evolutivo completamente distinto do nosso e optaram por soluções de sobrevivência mais lentas e econômicas. Se tivessem olhos, provavelmente enxergariam a gente e os outros animais como estranhos seres hiperativos que gastam energia demais para ir de um lugar a outro e se alimentar.

A principal diferença está na fonte de energia. Animais precisam se alimentar de outros seres vivos para sobreviver – sejam eles animais ou vegetais. Para isso, aperfeiçoaram suas técnicas de locomoção em busca de comida para seus músculos, cérebros e outros órgãos, que demandam muita energia. Já as plantas não precisam de nada disso. Capazes de realizar a fotossíntese, tudo que elas precisam é de luz solar. Assim, focaram sua evolução em estratégias que garantam o máximo de luz, gastando o mínimo de energia possível. Para que mover-se, se o Sol, de onde tiram toda a energia para sobreviver, aparece no céu todos os dias?

Essa imobilidade ajuda a entender como a inteligência das plantas foi sendo construída diferente da nossa. Primeiro, não faria sentido para elas ter um cérebro: um grande órgão que centraliza as decisões e coordena todas as outras partes do corpo. Como estão sempre no mesmo lugar, à mercê de herbívoros e outros predadores, não daria para garantir que esse hipotético cérebro vegetal não seria devorado a qualquer instante. Assim, em vez de desenvolver órgãos para realizar funções específicas, as plantas funcionam como organismos modulares. Cada módulo é capaz de realizar muitas das funções vitais para sua sobrevivência, inclusive tomar decisões – além de criar novos módulos. Qualquer agricultor sabe disso: basta cortar um galho de algumas espécies de árvore, fincá-lo no chão e esperar: em pouco tempo, aquele pedaço de ser vivo vai ter se transformado em outro indivíduo. Isso permite que alguns vegetais percam até 99% de seu organismo e continuem vivos, algo impossível para qualquer animal.

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No corpo humano, apenas as células nervosas geram e transmitem impulsos elétricos, mas nas plantas todas as células cumprem essa função. Isso faz com que a planta inteira funcione como um cérebro difuso – um que ao mesmo tempo exerce as funções de pulmão, estômago, intestino, nariz etc. Isso vale para as outras partes do corpo também. Peguemos o exemplo das folhas. Apesar de serem as estruturas mais adaptadas a colher luz e realizar a fotossíntese, elas não são as únicas: o tronco das árvores também capta luz, ainda que em quantidades menores.

Charles Darwin foi um dos primeiros a reconhecer que de bobas as plantas não tinham nada. Ele estudou a raiz dos vegetais para chegar a essa conclusão – especialmente a primeira parte que brota de uma semente, chamada de radícula, e que serve para fincar a planta no solo. Em seu último livro, O Poder do Movimento nas Plantas, o pai da evolução escreveu que “a ponta da radícula, sendo dotada de sensibilidade e tendo o poder de direcionar os movimentos das outras partes da planta, atua como o cérebro de animais que vivem no solo [como as minhocas]”. Por muito tempo, sua teoria foi ridicularizada. Mas, com o avanço das pesquisas, Darwin foi remediado.

Pesquisas já mostraram que as raízes crescem em direções conscientes (sempre em busca de água ou nutrientes), evitam a proximidade de competidores (se afastam se houver outra planta por perto antes mesmo de trombar com ela), se reconhecem caso encostem em outras raízes no solo (sabem se são elas mesmas ou outro indivíduo) e conseguem detectar a proximidade de água mesmo se houver uma barreira impedindo contato direto (se houver um copo de água perto de um vaso de planta, por exemplo, as raízes vão crescer em direção a ele, mesmo sem nenhum contato). Hoje se sabe que, de fato, as raízes atuam como centrais sensoriais: a partir de todos os dados coletados, as pontas das raízes calculam quais são as melhores escolhas para cada momento da vida da planta. São como centros de processamento de informações do ambiente – hubs, que captam os impulsos enviados pelas outras partes da planta.

O problema é que até a menor das plantinhas, como um pé de manjericão, tem incontáveis pontas de raízes. Nesses casos, qual decide que decisão tomar? Nenhuma e todas. De acordo com o pesquisador em neurobotânica Stefano Mancuso, autor do livro Brilliant Green – The Surprising History and Science of Plant Intelligence (Verdes Brilhantes – a Surpreendente História e Ciência da Inteligência das Plantas), elas se integram em uma rede para tomar decisões globais. A lógica é parecida com uma colônia de abelhas, uma revoada de pássaros migratórios ou um cardume de peixes. Nessas aglomerações, cada indivíduo só precisa seguir algumas regras simples, como manter determinada distância de seus vizinhos. Mas, quando todos agem dessa maneira, o grupo se move de forma complexa e coordenada. A internet foi criada com essa mesma lógica modular, para que até a perda da maioria dos centros de comando não impeça a transmissão dos dados. Nas plantas, como na web, até a menor das folhinhas está tomando decisões.

Espertinhas, elas

Mas vamos à pratica. Que tipo de problemas as plantas realmente conseguem resolver? O Laboratório Internacional de Neurobiologia Botânica, em Florença, na Itália, resolveu estudar a espécie Mimosa pudica, também conhecida como “dormideira”, que dobra suas folhas rapidamente quando percebe algum toque ou movimento brusco. O mecanismo existe para assustar e afastar insetos. Gagliano provou que a espécie pode aprender a ignorar certos movimentos repetitivos da mesma maneira que os animais – ou seja, pode acumular memória. Para isso, cientistas plantaram 56 pés da Mimosa e criaram um mecanismo de treinamento, no qual ela caía uma distância de 15 centímetros a cada 5 segundos, durante 3 minutos. Já na quinta queda algumas plantas começaram a parar de fechar suas folhas e, ao final dos 3 minutos, todas deixavam as folhas abertas enquanto caíam. Ou seja, haviam aprendido que aquelas quedas repetitivas não eram uma ameaça. O mais impressionante é que, se essas plantas fossem chacoalhadas, elas voltavam a fechar as folhas, o que mostra que elas seguiam alertas. Para a surpresa dos pesquisadores, 30 dias depois do experimento, as plantas ainda mantinham o conhecimento aprendido e não fechavam suas folhas quando caíam. “Para você ter uma ideia, a memória média de um inseto dura 24 horas”, compara Mancuso.

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Em seguida, o mesmo laboratório resolveu testar se plantas têm consciência de si mesmas e das colegas ao redor. E a conclusão foi “sim”. A cobaia da vez foi um pé de feijão. Como o feijão é uma trepadeira, é especialmente importante que ele saiba para onde crescer para alcançar um ponto de apoio. “Nós colocamos uma vareta entre dois pés de feijão e eles começaram a competir para alcançá-la. No momento em que o vencedor alcançou a vareta, o outro pé de feijão entendeu isso imediatamente e começou a procurar um novo ponto de apoio. Foi fascinante para nós, porque eles não só sabiam para onde crescer, como foram capazes de sentir e compreender o comportamento da outra planta.” Agora imagine fazer tudo sem olhos, cérebro ou cordas vocais. Isso mostra que o pé de feijão tem algum tipo de intenção. Mancuso acredita que as plantas usem alguns forma de ecolocalização para saber por onde crescer: enviam algum sinal em ondas, esperam ele bater em algum objeto próximo e conseguem receptá-lo de volta.

Mas mais impressionante é o que faz o pé de tomate. Quando um tomateiro é atacado por uma lagarta, por exemplo, ele libera metil-jasmonato no ar, uma substância percebida pelos tomateiros vizinhos como um aviso de “atenção, estamos sendo atacados!”. Isso faz com que as plantas intactas comecem a produzir inibidores de proteínas em suas folhas, que causam indigestão nos predadores. A ideia é fazer com que os insetos desistam de atacar a plantação. E funciona: essa comunicação entre tomateiros consegue dispersar predadores naturais e, em alguns casos, até mesmo matar os predadores. Cientistas já sabiam faz tempo que vegetais usam substâncias químicas para se comunicar – afinal, flores não têm perfume à toa: o cheiro é um recado passado para atrair polinizadores, essenciais para a reprodução das plantas. O que não se sabia era a complexidade que a comunicação química das plantas pode alcançar.

Um estudo da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, mostrou que, para conversar entre si, as árvores de uma floresta conseguem até mesmo cooptar os fungos que ficam debaixo da terra e transformá-los em canais de comunicação. Funciona assim: se uma árvore em um canto da floresta é atacada, ela lança sinais de alerta para sua raiz, que por sua vez avisa os fungos subterrâneos existentes em toda a área, que carregam o recado até suas vizinhas. Cientistas comprovaram isso injetando um contraste radioativo nas árvores. Em pouco tempo, perceberam que o isótopo havia se espalhado por 30 metros quadrados, em uma rede de intersecções parecida com uma malha rodoviária. Pense nisso na próxima vez em que você disser que ama o cheiro de grama cortada. Se as plantinhas resolveram liberar esse aroma característico bem na hora que você passou o cortador, é porque algum recado elas estavam querendo passar – provavelmente, um de desespero.

E dor, elas sentem?

Mas será que cortar um galho ou arrancar uma folha faz com que as plantas sintam dor? Marcos Buckeridge, botânico especializado em fisiologia vegetal e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, explica que um corte gera um estímulo que se espalha pela planta: é um sinal de stress que dispara mecanismos de reparo local. “Se isso funciona com uma memória naquele local, não sabemos. Se há dor? Não igual à nossa. Mas há, sim, respostas de stress, análogas às dos animais.” O mais chocante é o tipo de resposta que algumas plantas dão: cientistas já registraram vegetais liberando etileno quando são atacados ou cortados. Em humanos, o etileno funciona como anestésico. Ainda assim, as plantas esperam ser comidas. Servir de alimento faz parte da estratégia evolutiva dos vegetais – e é por isso que frutas, por exemplo, são tão deliciosas. Frutos esperam ser comidos e, de preferência, descartados em algum lugar bem longe, para garantir a distribuição da espécie.

Mas, mesmo que a salada de frutas esteja liberada, não quer dizer que as plantas não mereçam um tratamento melhor do que o que temos dado a elas. Pense no que fazemos com as plantas: criamos mutações (em sementes transgênicas), envenenamos (com agrotóxicos), criamos apenas para matar (em monoculturas extensas), decepamos (em podas excessivas, para que se encaixem dentro de canteiros ou abaixo de fios de luz) e até criamos aberrações (como os bonsais). Se fizéssemos o mesmo com qualquer animal, os protestos seriam imensos. Stefano Mancuso é um defensor dos direitos das plantas e pede que elas sejam tratadas com mais respeito. Ele diz: “Saber que as plantas percebem, comunicam, lembram, aprendem e resolvem problemas talvez nos ajude a, um dia, vê-las como seres mais próximos de nós”.

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