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A ciência do orgasmo

Veja como os hormônios atuam. Entenda os mecanismos cerebrais que nos fazem perder o controle na cama. E saiba como a evolução moldou a sexualidade em nossos ancestrais do mundo animal.

Por Alexandre Carvalho
20 jan 2023, 10h41

Texto Alexandre Carvalho| Ilustração Tayrine Cruz | Design Juliana Krauss | Edição Alexandre Versignassi

Woody Allen disse que, se houvesse reencarnação, queria que sua vida passasse no sentido inverso, mais ou menos como o personagem Benjamin Button. Nasceria morto, então ganharia vida, iria rejuvenescendo, viraria uma criança sem responsabilidades, um bebê, voltaria ao útero e, finalmente, seria reduzido ao que deu origem a todo esse processo: um orgasmo. Morreria em meio à sensação de prazer mais aguda que a vida pode proporcionar.

Tão aguda que os franceses concordam em parte com Allen: apelidaram o orgasmo de la petite mort (“a pequena morte”), tamanha a retração da consciência no auge de uma relação sexual bem-sucedida.

Uma pequena morte que traz mais vida, diga-se. Um estudo britânico (1) com quase mil homens revelou que aqueles que mantinham uma média de oito orgasmos por mês tiveram maior longevidade em relação aos que só gozavam uma vez nesse mesmo intervalo. Num acompanhamento feito por dez anos, 150 dos voluntários morreram: 67 de problemas cardíacos e 83 de outras causas. A taxa de mortalidade entre o grupo que tinha mais orgasmos foi cerca de metade dos que viviam (bem) menos dessa experiência.

Natural. Orgasmos diminuem a ansiedade, melhoram o sono e ajudam a aprimorar seu shape – eles levam à liberação de deidroepiandrosterona (DHEA), um hormônio esteroide natural associado ao condicionamento físico. Nossos corpos reduzem a produção de DHEA à medida que envelhecemos. Portanto, aumentar sua produção pela via sexual pode ajudar a preservar a musculatura, a postura e a controlar o peso.

Agradeça por isso à ocitocina, o hormônio mais famoso por estimular o vínculo físico entre mães e seus bebês. No sexo, esse neurotransmissor proporciona o efeito-cascata que levará ao orgasmo. Ele torna nossas zonas erógenas mais sensíveis, e quanto mais estímulos, mais ocitocina inunda o corpo.

Conforme a coisa vai ficando mais quente, o hipocampo é ativado, gerenciando nossas memórias. Isso significa associar visões e cheiros a encontros anteriores. Ou fantasiar sobre o top 5 dessas relações prévias com a pessoa. O hipocampo também atribui significado emocional aos estímulos eróticos. É por isso que em algum dia qualquer você vai sentir saudade do desempenho do ex. Ou soltar um impensado “eu te amo” na cama, ainda que o relacionamento esteja no começo.

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Nesse momento já há pele arrepiada, mamilos rijos, genitais úmidos… O ápice dessa dança está chegando.

Então seu cerebelo, a parte do cérebro que controla os movimentos do corpo, envia sinais para que coxas, glúteos e abdômen se contraiam. Essa tensão muscular aumenta o fluxo sanguíneo para as partes protagonistas. E não se preocupe se ficar mais excitado pensando num antigo crush nesse momento. O córtex frontal, associado ao pensamento mais abstrato, pode criar fantasias sexuais momentos antes da hora H. Até que ela chega.

Durante o orgasmo, há uma orgia de neurotransmissores. Na mulher, o hipotálamo libera mais ocitocina, provocando contrações uterinas intensas (algo que também acontece durante o parto, para a saída do bebê) – e pesquisas mostram que, quanto maior a liberação de ocitocina, mais intenso é o orgasmo.

Então entra em campo outro hormônio, a dopamina. Ela serve, você sabe, para dar prazer quando você faz algo bom para sua sobrevivência como indivíduo (alimentar-se, por exemplo) ou como espécie (se reproduzir). É ela quem traz a descarga de prazer pós-coito. O prazer vem como uma recompensa, para que você queira repetir o ato essencial à sobrevivência. E ela tem um caráter interessante: faz com que você já sinta algo intenso só de antever a chegada dessa explosão. Isso permite que você atinja o orgasmo apenas olhando para um determinado movimento do seu parceiro na hora H.

E por que você se sente fora de controle durante o orgasmo? Dependendo de cada um, há gritos que assustam os vizinhos, puxões de cabelo, palavrões mesmo na boca das pessoas mais tímidas. Isso tudo acontece porque o clímax desliga a parte do córtex orbitofrontal, responsável pela tomada de decisões. Você se torna um animal irracional por alguns segundos.

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Ou não. Principalmente se você for mulher. (Desculpe acabar com o clima…) E isso não tem a ver apenas com o egoísmo de muitos homens na cama, preocupados apenas com o próprio prazer. O problema: a evolução criou obstáculos para que elas tenham orgasmos com a mesma facilidade.

A evolução do clitóris

Um estudo americano (2) revelou que 35,6% das mulheres não haviam tido orgasmo nas últimas vezes em que fizeram sexo. Segundo os pesquisadores, parte da razão é anatômica: o clitóris, esse pequeno órgão que concentra a maior parte da sensibilidade da mulher durante o sexo, é separado da vagina, o canal interno da vulva que tem mais contato com o pênis. Daí muitas mulheres não conseguirem chegar a um nível alto de excitação apenas com a penetração.

Mas nem sempre é assim no reino animal. Muitas fêmeas de mamíferos têm um processo de reprodução diferente. Enquanto as mulheres liberam religiosamente um óvulo a cada mês, outras fêmeas, como as de coelhos e camelos, fazem isso após toda relação sexual. Os ciclos ovulatórios só evoluíram em algumas linhagens de mamíferos. Como a nossa.

A anatomia dos mamíferos mais primitivos foi moldada à necessidade de engravidar. Por isso, eles têm o clitóris dentro da vagina. Para ovular, essas fêmeas precisam antes fazer sexo. E o orgasmo produzido pelo maior contato do pênis com o clitóris ajudaria na reprodução – de acordo com algumas teorias, o clitóris nesses casos envia sinais ao cérebro desencadeando hormônios que liberam o óvulo.

Esse arranjo funcionou bem para espécies nas quais as fêmeas raramente encontravam machos. Ajudava-as a aproveitar ao máximo cada acasalamento.

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Imagem com informações sobre a anatomia da vulva.

Mas, em algum momento da evolução, diversos mamíferos passaram a viver em grupos sociais estáveis. As fêmeas já tinham acesso ao sexo regular com os machos, e o orgasmo como mecanismo ovulatório se tornou dispensável.

Isso teria mudado uma característica anatômica nas fêmeas de diversas espécies – inclusive naquelas que dariam origem à nossa. “Um deslocamento na posição do clitóris [afastando-se da vagina] está relacionado com a perda da ovulação induzida pela relação sexual”, disse Martin Cohn, biólogo do desenvolvimento evolutivo da Universidade da Flórida em Gainesville (3).

Em mamíferos mais modernos, particularmente os primatas, o clitóris ficou longe o bastante da vagina para nem ser tocado pelo pênis. Por quê?
Não há como cravar uma resposta. Mas faz sentido do ponto de vista evolutivo. A gravidez é um processo custoso, então é importante para as fêmeas escolher a dedo com quem acasalar – selecionando os machos mais saudáveis e fortes, por exemplo. Em ambiente selvagem, isso significa a diferença entre ter uma prole com mais ou com menos chance de sobrevivência. Se a fêmea tivesse prazer mecânico, automático, com qualquer macho, esse fator contaria menos.

Claro que o orgasmo feminino continuou a fazer parte do jogo evolutivo. Mas ele se tornou mais complexo, enquanto o maquinário masculino seguiu tão tosco quanto o dos seres mais primitivos. Tal complexidade pode ter trazido vantagens do ponto de vista do prazer, como os orgasmos múltiplos – algo que, para homens, é tão inescrutável quanto imaginar um cubo de quatro dimensões.

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Ilustração de um casal abraçado. A mulher entendiada encarando o relógio e o homem sorrindo.
A evolução criou obstáculos para o prazer sexual feminino. (Tayrine Cruz/Superinteressante)

Distúrbios

Marília (nome fictício) é capaz de sentir todos os sinais do orgasmo em contatos triviais de corpo com as pessoas. Com qualquer pessoa. O fenômeno não depende de ela estar mentalmente excitada ou ter qualquer interesse romântico pelo outro (ou outra). Ela pode ter um orgasmo a partir de um toque suave no ombro ou um aperto de mão. Obviamente, não se trata de uma condição confortável.

“Um dia fui abraçar uma amiga que não via faz tempo, por quem não tenho nenhuma atração sexual, e minha calcinha ficou toda molhada na hora. Foi difícil disfarçar meu constrangimento. Espero que ela não tenha percebido.”

O nome do distúrbio de Marília é “orgasmo involuntário”. E os gatilhos para esse desencadeamento de sensações podem ser bem diferentes: amamentar um bebê, receber uma tatuagem, dirigir um carro… Até ir ao banheiro.

Em pior situação está quem sofre de transtorno de excitação genital persistente. Diferente do orgasmo involuntário, que acontece de vez em quando, esse distúrbio (que não tem cura) faz com que as pessoas passem boa parte do tempo excitadas. Uma condição tão complexa de lidar quanto a epilepsia, por exemplo.

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É o caso da americana Cara Anaya-Carlis, de 38 anos. Ela frequentemente passa seis horas seguidas com excitação sexual intensa. Já chegou a ter 180 orgasmos em apenas duas horas. A primeira manifestação do distúrbio veio quando ela tinha 27 anos, enquanto fazia compras numa mercearia. Começou a ficar excitada por tudo que via, tocava ou sentia o cheiro. A excitação foi crescendo até que ela caiu no chão e teve orgasmos múltiplos.

Esse transtorno é capaz de causar desidratação (a mulher está sempre com umidade nos genitais), exaustão por dificuldade para dormir em períodos de muitos orgasmos, além do risco de se ferir durante ataques mais violentos.

Embora a causa ainda não seja conhecida, resultados de ressonância magnética mostraram que 66,7% das mulheres que demonstram sintomas de excitação descontrolada também têm um cisto de Tarlov. Essa protuberância pressiona a medula espinhal, que é parte do sistema nervoso. É possível que isso crie uma reação em cadeia que envie sinais orgásticos para os genitais – nota: na maior parte dos casos, cistos de Tarlov são assintomáticos.

Ilustração de uma mulher sorrindo e ondas saindo de sua cabeça.
Um estudo europeu avaliou uma mulher que dizia produzir orgasmos apenas com a mente. E concluiu que ela conseguia mesmo. (Tayrine Cruz/Superinteressante)

Se há mulheres que sofrem com orgasmos fora de controle, homens costumam ter o contrário: mesmo mantendo a capacidade de ereção, podem ter dificuldade para chegar ao clímax. E isso acontece mais frequentemente com a idade.

Darius Paduch, professor de urologia da Weill Cornell Medicine, de Nova York, acredita que um dos motivos é a ansiedade. Enquanto os mais jovens tendem a permanecer 100% focados na cama, pessoas de meia-idade teriam a cabeça mais inundada por questões estressantes – família, saúde, problemas financeiros… E aí demoram muito para ejacular – ou nem o fazem. “Para chegar ao orgasmo, você precisa ativar várias regiões do cérebro”, afirma. “Fica mais difícil chegar lá se sua mente está em outro lugar.”

Doenças comuns da idade avançada, como diabetes, influenciam na performance sexual como um todo, mas uma condição específica tem a ver com a dificuldade de ter orgasmos: a queda na produção de dopamina, que também acontece com o passar dos anos.

Jogos mentais

Nem sempre a facilidade extrema para obter um orgasmo pode ser considerada um distúrbio. Quando isso ocorre de forma voluntária, obviamente, não há problema algum. Muito pelo contrário.

Um estudo conjunto de cientistas espanhóis e tchecos debruçou-se sobre uma mulher que alegava ser capaz de chegar ao orgasmo apenas com o poder da mente (4). E não só isso: prolongar o êxtase por até dez minutos.

Durante o estudo, a mulher foi convidada a se deitar em uma mesa de exame e tentar provar o que dizia. Foi solicitada a ter dez minutos de orgasmo contínuo sem tocar em sua genitália, cinco minutos da mesma forma e, como controle, orgasmos com toques no corpo e dez minutos de leitura de um livro.

Os pesquisadores puderam conferir que a mulher estava mesmo tendo um orgasmo por causa de um marcador em seu sangue: a prolactina. Esse hormônio tem um aumento na corrente sanguínea após o orgasmo.

Analisando o sangue da participante antes e depois do teste, os cientistas notaram uma mudança clara. Os níveis de prolactina da mulher dispararam 25% após cinco minutos de orgasmo não estimulado genitalmente e 48% após dez minutos de gozo.

Esses níveis estavam quase no mesmo dos de prolactina após o orgasmo estimulado com toques nos genitais. A leitura do livro, por sua vez, não causou nenhuma alteração no hormônio – dando a entender que ela não sofria de orgasmos involuntários.

Esse tipo de estudo não é mera curiosidade. Eles são importantes na criação de tratamentos mais eficazes para pessoas que não conseguem ter orgasmos.

E que eles venham. Porque ninguém duvida: a vida vale mais a pena com essas pequenas mortes pelo caminho.

Fontes (1) Sex and death: are they related? Findings from the Caerphilly cohort study (2) An Event-Level Analysis of the Sexual Characteristics and Composition Among Adults Ages 18 to 59: Results from a National Probability Sample in the United States (3) science.org/content/article/new-theory-suggests-female-orgasms-are-evolutionary-leftover (4) A Case of Female Orgasm Without Genital Stimulation.

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