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A astronauta de gelo e fogo

Rosaly Lopes explora os vulcões mais remotos da Terra para tentar descobrir se há vida num lugar ainda mais distante: as luas de Júpiter e de Saturno

Por Tiago Jokura e Luciana Franchini
Atualizado em 3 jun 2019, 18h28 - Publicado em 26 set 2017, 18h26

–“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça. É ela a menina que vem e que passa num doce balanço, caminho do mar” de metano líquido que banha Titã, maior lua de Saturno e segunda maior do Sistema Solar. Essa garota de Ipanema alternativa desfila seus atributos pela Nasa desde 1989 e, em vez de ser exaltada por Tom Jobim, homenageou o maestro dando o nome dele a uma cratera de Mercúrio – outro nome que ela cravou na superfície do planeta mais próximo ao Sol foi o de Heitor Villa-Lobos.

Acredite: escrever o nome de ilustres brasileiros nas esquinas do Sistema Solar é dos feitos mais modestos da carioca Rosaly Lopes, astrônoma e vulcanóloga que, aos 60 anos, chefia o Departamento de Ciências Planetárias da Nasa, coordenando 80 profissionais desde 2012.

Ah, se ela soubesse

Rosaly deixou o Brasil aos 18 anos por causa de um sonho de infância bastante comum: ser astronauta. “Eu cresci acompanhando o programa Apollo, então me interessei muito pela corrida espacial. Eu queria ser astronauta, mas, como era mulher, brasileira e míope, já imaginava que não ia dar certo”, relembra a primeira astrônoma brasileira da Nasa.

A visão distorcida, porém, não lhe roubou o foco. Começou a cursar astronomia na UFRJ, em 1975, e no ano seguinte rumou para Londres, onde concluiu a graduação em 1978, na University College. Sua carreira foi meteórica: após oito anos já era PhD em geologia planetária e vulcanologia pela mesma instituição. Em 1989, recebeu uma bolsa de estudos como pesquisadora do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (JPL), em Pasadena, Califórnia – onde trabalha até hoje.

Em 1991, ingressou na equipe que enviou a sonda Galileo para observar Júpiter. Sua missão entre 1996 e 2001 era escanear a lua Io, de intensa atividade vulcânica. Nesse período, descobriu 71 vulcões ativos. A proeza a colocou no Guinness, em 2006, como a maior descobridora de vulcões do Universo conhecido. De quebra, deixou mais um pouquinho de Brasil em Io – dois vulcões foram batizados com nomes da mitologia indígena brasileira: Tupã (deus do trovão) e Monã (deus do fogo).

Não é exagero dizer que Rosaly foi a primeira astronauta brasileira. Vinte e sete anos antes de Marcos Pontes visitar a Estação Espacial Internacional, ela fazia sua primeira expedição espacial, ainda que sem sair da Terra, para explorar o vulcão Etna, na Itália. “O vulcanismo é um processo fundamental na formação de planetas e satélites, porque é o meio pelo qual eles perdem calor primordial e se moldam”, explica. “Por isso, observar vulcões revela pistas sobre como é a topografia de lugares em que ainda não pisamos.” De 1979 até 2015, ela visitou 62 vulcões em dezenas de expedições por cinco continentes – só faltava um vulcão e um continente para a coleção…

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Plutão – A cratera do Érebus serviu como referência para Michael Carroll ilustrar o vulcão de gelo Wright Mons, descoberto em 2015. (Michael Carroll/Superinteressante)

A beleza que não é só dela

Rosaly abriu mão de comemorar as calorosas festas de fim de ano com a família, para realizar um sonho congelante em 2015: visitar a Antártida para conhecer o Monte Érebus. “Já fui a muitos lugares exóticos atrás dos lagos de lava, mas no Érebus é mais difícil chegar”, empolga-se como quem visita vulcões de outros mundos. “São paisagens únicas na Terra, mas muito similares à formação geológica de luas geladas como Europa ou Encélado”, satélites de Júpiter e de Saturno, respectivamente.

A vulcanóloga foi acompanhada de um grande parceiro, o ilustrador Michael Carroll, com quem já publicou dois livros ilustrados com paisagens espaciais inspiradas na topografia terrestre. A dupla viajou a convite da Fundação Nacional de Ciências dos EUA (NSF), com a missão de “ajudar a divulgar a importância da ciência que é feita na Antártida – além de revelar ao grande público as dificuldades de fazer ciência de ponta num ambiente tão hostil”, nas palavras de Peter West, diretor da NSF. “Há muitos cientistas que se comunicam bem, mas divulgar ciência por meio da arte tem um alcance diferente daquele obtido por dados e gráficos.”

Rosaly e Carroll se embrenharam por fendas, torres de gelo e cavernas que indicam o tipo de paisagem que circunda os gêiseres de Encélado e de Tritão, este último um satélite ainda mais distante, que orbita Netuno. Michael usa fotos dessas formações com características tão particulares como referência para desenhar concepções artísticas de outros satélites e planetas.

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“Os vulcões mais interessantes na Terra são os que têm lago de lava, similares aos de Io”, diz Rosaly. O Érebus é um dos poucos desses na Terra – e também o mais remoto. “Além dele tem o Kilauea, no Havaí, o Erta Ale, na Etiópia, o Ambrym, em Vanuatu, e o Nyiragongo, que infelizmente não conheço. Ele fica no Congo, e as condições de segurança do país inviabilizam expedições científicas desse porte”, lamenta.

No sentido oposto, observar a distância a geologia de outros planetas também ajuda a entender a Terra. “Aprendemos sobre o clima terrestre estudando as tempestades de Júpiter, bem como as calotas polares e a geologia de Marte”, explica Carroll. “Em muitos sentidos, nossos estudos sobre outros planetas e luas têm sido um estudo sobre a Terra”, completa.

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Titã – Torres de gelo como as do Polo Sul poderão ser encontradas pelos astronautas que visitarem a maior lua de Saturno. (Michael Carroll/Superinteressante)

Outros mundos sorrindo

Além de Europa e Encélado, Rosaly e seus colegas da Nasa também estão animados com Titã, que, apesar do perfil químico peculiar, tem semelhanças com a Terra.

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“Nos últimos dez anos, tenho estudado a geologia de Titã. É uma lua grande, que se não estivesse ao redor de Saturno seria um planeta. Dentre centenas de luas, é a única do Sistema Solar com atmosfera densa”, explica Rosaly.

Assim como na Terra, o nitrogênio domina a atmosfera titânica – o elemento representa mais de 95% do ar em Titã, contra 78% no nosso planeta. Nos 5% restantes, a maior concentração não é de oxigênio, mas de metano. Numa região tão distante do Sol, sob temperaturas abaixo de -170 oC, esses gases assumem a forma líquida. Ou seja: há um oceano de metano na superfície de Titã.

Uma hipótese é a de que esses oceanos possam reunir condições para dar origem a moléculas orgânicas complexas.  E onde existem moléculas assim pode haver vida.

Além de oceanos, a paisagem lá também tem rios, chuvas de metano e, provavelmente, vulcões. “Acreditamos que existam vulcões ativos lá. Só que, em vez de expelir lava quente, eles ejetam metano e amônia gelados”, diz. Embora ainda não haja provas de que algumas montanhas de Titã sejam mesmo vulcões, Rosaly confia na possibilidade. “Sabemos que essa lua teve vulcões ativos no passado, mas o que existe lá hoje ainda é um mistério”, diz. Os instrumentos das sondas que sobrevoam Titã estão analisando a composição atmosférica mais detalhadamente. “E tem outra coisa: Titã pode nos dar uma ideia de como era a Terra primitiva”, se anima.

Descobrir se Titã é geologicamente ativa foi um fator que levou a Nasa a estender a missão Cassini, prevista para terminar em 2008, até 2017 – em setembro, a sonda foi desligada para mergulhar e se desintegrar em Saturno. Mais recentemente, Rosaly estava dedicada à missão Cassini. “Ainda vamos trabalhar com os dados coletados pela sonda por um bom tempo. Não sabemos qual é a composição química exata do solo de Titã e a geologia do satélite precisa ser mais estudada, com imagens de maior resolução”, explica enquanto aguarda, para o fim de 2017, uma resposta da Nasa sobre seu projeto para buscar vida na lua de Saturno: mais um mundo sorrindo e se enchendo de graça para Rosaly passar.

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