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7 livros difíceis de traduzir para o português

Por Jessica Soares
Atualizado em 21 dez 2016, 10h13 - Publicado em 19 nov 2012, 09h36

Se não fossem a experimentação, os neologismos e o universo fantástico de Guimarães Rosa, a obra do autor brasileiro não teria a mesma fama. Mas esta virtude também pode virar um problema para tradutores. Afinal, não é fácil traçar uma ponte entre duas línguas, transportar mundos e personagens para outros contextos e encontrar o sentido exato de expressões e analogias estrangeiras. E quanto mais inventivo for o autor da obra original, mais desafiadora é essa viagem linguística. Entre obras já desbravadas e aquelas que ainda aguardam por sua transposição para outro idioma, a SUPER listou 7 livros estrangeiros muito difíceis de se traduzir para o português:

 

1. Ulysses, de James Joyce (1918 – 1922)

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A Marilyn já leu, e você? Foto: Eve Arnold

Se quiser saber o segredo do sucesso de Ulisses, melhor não perguntar a Paulo Coelho. O escritor causou polêmica recentemente ao dizer que o clássico de James Joyce é “só estilo” e que, se dissecado, “dá um tuíte” – uma ofensa quase pessoal aos fãs que comemoram desde 1954 o Bloomsday, feriado literário dedicado a homenagear a obra do escritor irlandês. Não faltam pesquisadores e leitores para defender que Ulisses é mais que “só estilo”. Mas é verdade que suas mais de mil páginas são preenchidas pela ousadia linguística de James Joyce. Jogos de palavras, trocadilhos, citações e neologismos são apenas alguns dos recursos empregados pelo autor para narrar um dia na vida de Leopold Bloom que, em 24 horas – entre 15 e 16 de junho de 1904 -, vive aventuras parecidas com as de Ulisses na Odisséia, de Homero.

A obra, publicada em capítulos a partir de 1918 na revista americana The Little Review, não é facilmente transposta para o português. O primeiro a se aventurar nesta empreitada foi Antônio Houaiss (aquele do dicionário), em 1966. Depois foi a vez de Bernardina da Silva Pinheiro, em 2005. Mais recentemente, Caetano W. Galindo assinou a tradução lançada em 2012 pela Companhia das Letras, em que se optou por deixar de fora as inúmeras notas-referência da obra original. Uma opção defendida por apresentar a obra como ela é: “um romance, talvez o maior romance de todos, e não um quebra-cabeça exemplar”. Cabe ao leitor virar as páginas do livro e conhecer sua linguagem e seus personagens – como o Cidadão, com suas sardasmuitas, barbirsuta, boquimensa e ventasgrandes.

 

2. Bliss, de Katherine Mansfield (1918)

O famoso conto da escritora neozelandesa Katherine Mansfield, Bliss, acompanha a personagem principal, Bertha, em um dia de intensa e ingênua alegria. Poderia ser um texto simples, mas não é. Temos a impressão de estarmos na mente da personagem principal, mas ao mesmo tempo somos relembrados de que há um narrador externo que nos conta a história. “Este jogo de planos demanda que o tradutor seja sensível a como esse tipo de narrativa é construído em português por autores da literatura brasileira que também jogam com esses planos narrativos. O segundo desafio é lembrar que, ao longo do conto, há diferentes interações entre as personagens, nas quais as relações sociais demandam um tipo de linguagem diferenciado: a personagem principal fala com sua empregada, fala com a babá de sua filha, com seu marido e com seus convidados para o jantar que está oferecendo na sua casa. Também fala consigo mesma”, diz a professora e coordenadora da área de Tradução da Faculdade de Letras da UFMG, Adriana Pagano.

Traduzido para o português por cinco autores diferentes, o conto ganhou no país títulos também distintos: Êxtase, nas letras de Ana Cristina Cesar (1980); Infinita Felicidade, assinada por Edla van Steen e Eduardo Brandão (1984); e Felicidade, nas versões de Érico Veríssimo (1940), de Julieta Cupertino (1991), e de Maura Sardinha (1993).

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3. Finnegans Wake, de James Joyce (1938)

rolarrioanna e passa por Nossenhora d’Ohmem’s, roçando a praia, beirando ABahia, reconduz-nos por cominhos recorrentes de Vico ao de Howth Castelo Earredores.

É assim que tem início o Finnicius Revém do tradutor Donaldo Schüler. Difícil de entender? Fica pior.  James Joyce levou 17 anos para completar aquela que seria considerada uma das mais difíceis obras de ficção da literatura em língua inglesa e um marco da literatura experimental. No livro, o último publicado pelo autor irlandês, palavras do inglês e de outras línguas são fundidas, criando uma linguagem única. O resultado: múltiplos sentidos e um trabalho hercúleo para o leitor e para o  tradutor que aceita o desafio.

“Assim como Ulisses, Finnegans Wake impõe renovados hábitos de leitura. A linear não basta. Em cada parágrafo, em cada frase, em cada palavra, tocamos estratos sobrepostos, convite a trabalho de arqueólogo. Verticalidade e horizontalidade se entrecruzam espacial e cronologicamente. Surgem arqueoleitores”, explica Schüler na introdução de sua tradução da obra de Joyce, com um spoiler: não espere entender a obra por completo. Pode parecer um conselho esquisito vindo do tradutor que se debruçou por meses sobre o livro, mas é coerente com a ideia de que Finnicius Revém não é um livro para ser “desvendado”. O leitor deve embarcar nos jogos sonoros e no ludismo de imagens e ideias. Quem já o leu e traduziu promete que o texto explica-se a si mesmo. Aventure-se pelas páginas e tire a prova.

 

4. Infinite Jest, de David Foster Wallace (1996)

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Uma família problemática, quadras de tênis, rehab, depressão, publicidade e reflexões sobre a maneira como o entretenimento domina nossas vidas – tudo se mistura no romance de David Foster Wallace, que se passa em uma versão futura (e absurda) da América do Norte. O extenso livro – são mais de mil páginas – conta com 388 notas de rodapé (sendo que algumas notas também têm notas de rodapé), um recurso que, segundo o autor, ajuda a quebrar a linearidade da história e, ao mesmo tempo, manter a coesão interna.

Infinite Jest é prestigiado por quebrar as regras e propor uma estrutura narrativa que foge do lugar-comum. “É um texto que todo mundo precisa conhecer. É um bicho muito estranho, muito incomum mesmo, uma mistura de épico porra-louca pynchoniano [referente a Thomas Pynchon] com romance filosófico-moralista tipo Thomas Mann. É um romance de ideias, e ideias profundas, com manadas de hamsters selvagens”, afirma o doutor em Linguística pela USP, Caetano W. Galindo, que está trabalhando atualmente na tradução do livro para o português. Caetano, que passou 10 anos trabalhando em Ulysses, deve terminar esta nova odisseia em 10 meses. Ele narra o processo de tradução de Infinite Jest no blog da Companhia das Letras – acompanhe por lá.

 

5. Mason & Dixon, de Thomas Pynchon (1997)

“Romance histórico” é um termo aplicável ao livro lançado por Thomas Pynchon em 1997, mas não traduz bem a grandiosidade de sua obra. Em Mason & Dixon, ao mesmo tempo em que faz referências históricas precisas, o autor estadunidense dá lugar a personagens fantásticos e a grandes vôos de imaginação. O livro conta a história dos cientistas Charles Mason e Jeremiah Dixon, que adentram o continente norte-americano do século XVIII explorando territórios indígenas. Para contar este conto não bastou a Pynchon ambientar a história no passado: a própria linguagem em que o livro é escrito recria o inglês setecentista.

Ao longo da narrativa, os pontos de vista da narrativa são alternados – os personagens em cena contam suas próprias versões para a história que se desenrola. O que “realmente aconteceu” é uma construção do que é dito pelos vários narradores. Ele brinca, assim, com a fragilidade de qualquer registro histórico e da História em si. Não é pouca coisa. Por tudo isso, o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto levou anos para realizar a tradução para o português de Madson & Dixon. A atualidade da obra lhe permitiu um privilégio: consultar o próprio Pynchon.

 

6. Cloud Atlas, de David Mitchel (2004)

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Cloud Atlas, música composta pelo japonês Toshi Ichiyanagi, primeiro marido de Yoko Ono, inspira o título homônimo da obra de Mitchel (clique para ouvir).

Ainda sem tradução para o português (por que será?), Cloud Atlas é composto por seis histórias que levam o leitor por uma viagem no tempo e na linguagem. Do Pacífico Sul do século XIX a um distante futuro pós-apocalíptico, cada conto presente no livro é lido e observado pelo personagem principal da história seguinte. E tem mais: as cinco primeiras histórias são interrompidas em um momento chave da narrativa.

O livro, bem recebido pela crítica, foi comparado a um “perfeito jogo de palavras cruzadas”, desafiador e envolvente. Mas o que rendeu elogios a David Mitchel não foi apenas a ideia de tecer o livro com uma série de narrativas incompletas, um recurso já explorado na literatura – Mitchel diz ter se inspirado em Se um viajante numa noite de inverno, de Italo Calvino para escrever Cloud Atlas, inclusive. Seu toque especial foi colocar um “espelho” no centro do livro. Depois do sexto conto, cada uma das cinco histórias é revisitada e concluída – mas em ordem cronológica inversa. Pã. Você encaria essa ~viagem~ literária? Então se prepare para o filme:

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=C6FEhfpFzxE?wmode=transparent&fs=1&hl=en&modestbranding=1&loop=0&iv_load_policy=3&showsearch=0&rel=1&theme=dark&w=425&h=344%5D

 

7. The Tree of Codes, Jonathan Safran Foer (2010)

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Nenhum livro é intraduzível, é verdade, mas The Tree of Codes certamente é um quebra-cabeças desafiador – principalmente, por sua forma. A obra, do mesmo autor de Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, é o que se pode chamar de livro-objeto – além de ser lido, ele pode ser experimentado como uma obra de arte visual.

A ideia nasceu da vontade do autor de criar um livro a partir de recortes, explorando a relação física entre as páginas e a maneira como isso poderia ser desenvolvido para criar uma narrativa. Para tornar isso palpável, Foer tomou como base o livro A Rua dos Crocodilos, de Bruno Schulz, e passou recortar e subtrair dele palavras, frases e parágrafos, esculpindo (literalmente) uma nova história. O trabalho artesanal foi elevado a uma publicação em grande escala e quem compra o livro pode folhear suas frágeis e poéticas páginas vazadas, como nas imagens acima. Como transpor essa mesma experiência (e seu processo) para outra língua?

 

Consultoria: Adriana Pagano, professora e coordenadora da área de Tradução da Faculdade de Letras da UFMG e pesquisadora do Laboratório Experimental de Tradução da Faculdade de Letras da UFMG; Caetano W. Galindo, professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná, doutor em Linguística pela USP e tradutor de livros de Tom Stoppard, James Joyce e Thomas Pynchon, entre outros.

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